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Histórias do Mar

O curioso Correio do Mar: bar no meio do oceano mantém tradição há 101 anos

Jorge de Souza

26/02/2019 09h00

foto: A Marafada

Mesmo em tempos de Whatsapp e internet, o hábito de deixar mensagens para outros barcos em pontos específicos dos sete mares permanece – como uma espécie de lembrança nostálgica dos tempos em que nem havia correios.

O endereço mais famoso do mundo onde esta antiquíssima tradição marítima ainda é mantida é um pequeno bar de Horta, cidade portuguesa na ilha do Faial, nos Açores, no meio do oceano Atlântico: o Peter's Café Sport.

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Desde que foi criado, 101 anos atrás, em 1918, o Peter's Café Sport recebe regularmente a visita de navegantes que fazem a travessia do Atlântico — seja para relaxar, papear, conhecer o famoso lugar ou deixar um recado para algum outro barco que também esteja a caminho de lá. Assim é mantida a tradição das mensagens náuticas, que trouxeram fama mundial àquele simplório bar.

O lugar é um boteco com não mais que 20 mesas de madeira, decorado com flâmulas e bandeiras de barcos de todas as nacionalidades nas paredes, em frente à principal marina dos Açores — ilhas portuguesas que fazem parte da rota habitual de nove em cada dez barcos de passeio que atravessam o Atlântico.

Também é conhecido como "Bar do Peter", em português mesmo, já que os Açores fazem parte de Portugal, embora (e aqui vai a segunda peculiaridade deste bar realmente sui-generis…) não tenha "Peter" algum ali. O dono chama-se José, e o avô dele, que criou o bar, exatos 101 anos atrás, chamava-se Henrique.

"Peter era o nome do filho de um comandante inglês que frequentava o bar do meu avô desde o princípio", explica o herdeiro José. "Como ele achava o meu pai, que também se chamava José, parecido com o menino, passou a chamá-lo assim. E como meu pai não contestava o nome errado, Peter virou uma espécie de apelido que meu avô resolveu usar para batizar o bar", diz José, que mantém todas as tradições do local – a começar pelo nome aparentemente sem sentido.

Foto: iloveazores.com

Agora, José já está em vias de passar o negócio para um dos filhos. Este sim, chama-se Pedro — Peter, em inglês. Quando isso acontecer, será a quarta geração da família no comando do bar mais náutico do planeta, que hoje é a principal atração turística da ilha.

Na parte de cima do bar funciona um pequeno museu dedicado a outra velha tradição do mar, esta já extinta: o scrimshaw, ou a arte de gravar e esculpir figuras em dentes de cachalotes, uma lembrança da época em que os Açores eram um dos principais pontos de caça de baleias do Atlântico. "Hoje, em vez de caçá-los, nós levamos nossos clientes para ver os cachalotes bem de pertinho, aqui na ilha", diz José, que resolveu expandir os negócios do bar vendendo passeios para avistar baleias.

Foto: Divulgação

Para os navegadores, no entanto, o "Bar do Peter" é bem mais do que um simples boteco à beira-mar para sentar e papear. É, também, um eficiente ponto de apoio para buscar conserto para qualquer problema no barco, encontrar tripulantes dispostos a ajudar na travessia do oceano e, acima de tudo, mesmo hoje, em pleno século 21, um insólito posto de correio, que recebe e entrega cartas e mensagens de um barco para outro.

"Sempre fizemos isso e seguimos fazendo", diz José, que mantém uma caixa de madeira repleta de cartas atrás do balcão – algumas delas de anos atrás. "Todas as semanas chegam navegantes para buscar ou deixar mensagens para outros barcos. É uma tradição, mas continua sendo uma forma de comunicação para quem está no mar há muito tempo", explica, orgulhoso da sua função. Mesmo que, em seguida, quem deixou a mensagem mande um email ou Whatsapp para o destinatário, avisando sobre a carta deixada no Peter's Café. "Hoje, todo mundo faz isso", admite José.

No passado, José chegou inclusive a pensar em abrir uma filial do famoso bar na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, mas desistiu. "Nossas raízes estão aqui, nos Açores", diz.

Foto Divulgação

A tradição de deixar mensagens para outros barcos em certos pontos dos sete mares remonta à época das caravelas e foi muito usada durante a era das grandes navegações e da descoberta e colonização de novas terras. Os barcos que iam deixavam correspondências para serem levadas de volta ao porto pelos que retornavam.

Um dos locais mais famosos do mundo nesse sentido foi uma minúscula ilha na costa da Austrália, a Ilha Booby, onde havia uma caverna que se transformou numa espécie de ancestral das Caixas Postais. Ali, tal qual acontece até hoje do "Bar do Peter", mensagens eram deixadas de um barco para outro, trazendo, às vezes, até notícias históricas.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

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