Drama no mar: casal conta como sobreviveu ao naufrágio do barco onde morava
Na madrugada da última quinta-feira, o casal paulista de aposentados Wladimir e Rosane Popoff, ele com 65 anos de idade, ela com 62, viveu o segundo grande susto da vida.
O primeiro foi 37 anos atrás, quando o então jovem e recém-casado engenheiro Wladimir Popoff trabalhava em uma plataforma de petróleo em alto-mar que pegou fogo, e ele escapou da morte por bem pouco.
Marcado eternamente pelo acidente, Wladimir, muito mais conhecido pelo apelido Voka, decidiu que, quando se aposentasse, venderia o único bem que o casal possuía, uma casa de classe média em São Paulo, e realizaria um velho sonho dos dois: comprar um veleiro e ir morar no mar.
E foi justamente com o barco que veio o segundo grande susto do casal, na semana passada.
Naufrágio em alto-mar
Quando navegavam entre as cidades de Caravelas e Ilhéus, na costa sul da Bahia, uma rede de pesca não sinalizada enganchou e danificou o casco do barco-casa do casal, o veleiro Darwin, de 12 metros de comprimento.
E eles acabaram naufragando, horas depois, a cerca de 12 quilômetros do litoral de Porto Seguro.
Wladimir e Rosane foram resgatados por pescadores e nada sofreram, além do susto e de um grande prejuízo, porque o veleiro era, também, a casa onde moravam – e o seguro pagará apenas metade do que valia o barco.
Além disso, agora, eles correm o risco de ter um prejuízo ainda maior, porque, pelas regras da Marinha do Brasil, os donos de embarcações naufragadas são responsáveis por resgatá-las, a fim de não comprometer a navegação nem poluir o meio ambiente – a menos que nem uma coisa nem outra seja afetada.
"Estamos esperando a chegada de um perito, que irá avaliar se precisamos tirar ou não o nosso barco do fundo do mar. Tomara que não, porque será ainda mais traumático para nós e nem temos dinheiro para pagar pelo serviço", diz o casal, que, a seguir, conta como tudo aconteceu.
O relato dos náufragos
"Na quarta-feira passada, partimos de Caravelas, rumo a Ilhéus, tão logo o dia amanheceu.
Nosso objetivo final da viagem era Recife.
Mas, quase sempre, tínhamos hóspedes em cada trecho da travessia, porque, desde que decidimos trocar a vida na cidade por um barco, sete anos atrás, o nosso trabalho passou a ser passar experiências da vida a bordo para quem gostaria de fazer o mesmo.
Desta vez, no entanto, seríamos só nós dois no barco.
Mais tarde, daríamos graças a Deus por não ter mais ninguém a bordo.
Última imagem do barco
Na véspera da partida, o dia terminou com um lindo pôr do sol e decidimos fotografar nosso veleiro naquela paisagem.
Mal sabíamos que seria a última foto que faríamos dele – esta aqui abaixo.
Horas depois, por volta das 16h, quando estávamos na metade da travessia, navegando na altura de Porto Seguro, vimos uma caixa de isopor boiando no mar, bem diante do nosso barco.
Era uma espécie de boia, deixada por pescadores – um sinal de que ali havia uma rede de pesca.
Mas, ao contrário do habitual, não havia uma segunda boia indicando onde a rede terminava.
Por precaução, passamos a mais de 100 metros de distância de tal boia. Mas não adiantou.
Cabo de aço no mar
Mesmo passando longe da boia, sentimos um tranco no barco e deduzimos que havíamos enganchado na rede.
Estávamos acostumados a esse tipo de problema – bem frequente na costa brasileira, por sinal.
Bastava parar o barco, soltar a rede e seguir em frente.
Mas aquela rede era diferente. Em vez de simples cabos de náilon, os dela eram de aço. E isso causou um estrago fatal no barco. Só que nós não sabíamos.
Naufrágio, horas depois
O choque do barco com o cabo de aço danificou o mecanismo interno do leme do nosso veleiro.
Mas só descobriríamos isso horas depois.
E da pior maneira possível.
Quando vimos que era um cabo de aço que sustentava a rede e havíamos batido nele, paramos o barco e examinamos as partes submersas do casco, para ver se algo havia sido afetado.
Aparentemente, estava tudo em ordem.
Não havia vazamentos, nada quebrado e o leme, que está para os barcos assim como o volante para os automóveis, respondia normalmente aos movimentos.
Aliviados, seguimos em frente.
Por um bom tempo.
Até que, quatro horas depois, quando já havia escurecido e o mar ganhara muitas ondas desencontradas, uma tampa do assoalho do barco foi arrancada por um jato d´água, vindo da parte de baixo do casco. Era o começo do fim.
Casco rachado
Na hora, custamos a compreender o que tinha acontecido.
Mas pegamos uma lanterna e corremos para ver de onde vinha aquela água que jorrara pelo assoalho do barco.
Era uma rachadura no casco, causada pelo mecanismo do leme, que, já completamente solto, batia furiosamente contra a fibra de vidro.
Logo, a rachadura virou um rombo. E por ele passou a jorrar um turbilhão de água salgada para dentro do barco.
Nada deu certo
Tentamos conter a inundação, enfiando no buraco a única coisa que estava à mão: um simples casaco.
Mas era impossível conter a enxurrada.
Corremos, então, um para cada lado.
Um para o leme, na esperança que ele ainda funcionasse – único meio que tínhamos para tentar chegar em águas mais rasas e encalhar o barco, antes que ele afundasse .
E outro para o rádio, a fim de pedir socorro.
Nem uma coisa nem outra funcionou.
Nenhum barco respondeu aos nossos pedidos de ajuda pelo rádio, e, após um tempo, o leme do nosso veleiro passou a girar descontrolado, completamente solto.
A decisão mais difícil
Mesmo assim, conseguimos levar o barco para mais perto de terra firme.
Mas, quando ainda faltavam cerca de sete milhas náuticas, o leme soltou de vez e a inundação se tornou incontrolável.
Ficamos, então, com o barco sendo rapidamente inundado, sem conseguir movimentá-lo e sem ninguém para nos socorrer.
Era o fim. Hora de abandonar o barco, com tudo o que havia dentro dele, e tentar salvar nossas vidas.
Um cacho de bananas
Na escuridão da noite e com as ondas cada vez mais fortes, não foi nada fácil baixar o bote salva-vidas no mar e pular para dentro dele.
Na pressa, só deu tempo de pegar uma mochila que mantínhamos sempre pronta, para situações de emergência, o motorzinho para o bote e um cacho de banana, que estava pendurado do lado de fora do barco.
As bananas serviriam de alimento, já que não sabíamos quanto tempo ficaríamos no mar, até sermos resgatados. Se é que isso aconteceria…
Sozinhos no meio do mar
Não deu tempo de pegar mais nada.
Rapidamente, o mar invadiu todo o barco.
A última imagem do veleiro que nos serviu de casa nos últimos sete anos foi a dele afundando, com as luzes ainda acesas – uma terrível sensação de perda.
Não pelo barco, mas pelo que ele representava para nós.
Nosso veleiro era a nossa casa e, também, nosso principal meio de sustento. De uma só vez, perdemos tudo.
Um chorava, o outro não acreditava
Quando não restava mais nenhuma parte do barco visível na superfície, olhamos para o mar ao redor e não também não vimos nada.
Estávamos encharcados, levando seguidas pancadas das ondas, e a mais de 12 quilômetros da costa – longe demais para enxergar algo.
Nem mesmo as luzes de Porto Seguro.
Quase por instinto, escolhemos uma direção a seguir e ligamos o motorzinho do bote.
Enquanto um chorava, o outro custava a acreditar que aquilo estivesse mesmo acontecendo. Era como um pesadelo ao vivo.
Surge a salvação
Tempos depois, vimos uma luzinha no mar, que julgamos ser um farol.
Não era.
Era um barco de pescadores.
Aceleramos na direção deles.
Eles estavam dormindo, mas acordaram assustados, com nossos gritos de socorro.
Fomos puxados para dentro do barco e ganhamos uma cama para descansar.
Eram três da madrugada, mas era impossível dormir. A imagem do barco inundando e afundando não saia da cabeça.
Salvaram o mais importante
Prestativos, os pescadores sugeriram interromper a viagem e nos levar direto para Porto Seguro.
Recusamos.
Eles estavam trabalhando e tinham redes a recolher.
Ironicamente, redes de pesca – como as que haviam causado o nosso drama.
Chegamos a Porto Seguro só quando o dia estava amanhecendo, apenas com uma mochila e um cacho de bananas.
Todo o resto das nossas coisas (barco, casa, roupas, pertences, tudo, tudo, tudo) agora jazia no fundo do mar.
E, se depender apenas da nossa vontade, é por lá que devem ficar.
Resgatar o barco custará um valor que não temos mais como pagar.
Perdemos o nosso barco, a nossa casa e a nossa atividade – tudo ao mesmo tempo. Mas estamos vivos. E isso não tem preço. Vida que segue…"
Vaquinha para ajudar
Tão logo ficaram sabendo do naufrágio do veleiro do casal Popoff, os amigos, sobretudo os que também moram em barcos, criaram uma vaquinha virtual na internet (clique aqui para acessá-la), a fim de levantar recursos para ajudá-los a reconstruir a vida – pelo menos até que tenham um novo lugar para morar.
Em uma semana, já arrecadaram perto de R$ 40 mil.
Ainda assim, bem longe do que o casal precisará, caso decida voltar a viver em um barco e seguir trabalhando no mar.
"Agora, é remar de tudo de novo. Quem sabe, em outra direção", diz Wladimir, ainda sem saber o que fazer.
De certa forma, tiveram sorte
O drama vivido pelo casal paulista não é nada inédito.
Muito menos o que causou o acidente que levou ao naufrágio do seu barco.
Colisões com objetos no mar são muito mais frequentes do que parece.
E, muitas vezes, com consequências trágicas para os barcos pequenos.
No entanto, se comparado a outros casos do gênero, os Popoff tiveram a sorte de serem resgatados rapidamente.
O mesmo não aconteceu com muitos outros.
Um deles foi o casal inglês Maurice e Maralyn Bailey, donos de um triste quase recorde.
Em 1972, eles passaram nada menos que 118 dias à deriva no Oceano Pacífico, depois que o seu barco, um veleiro de pouco menos de 10 metros de comprimento, foi atingido por uma baleia e afundou rapidamente – uma das mais extraordinárias histórias de sobrevivência no mar que se tem notícia (clique aqui para conhecê-la).
Perto do que viveu o casal inglês, o drama dos náufragos paulistas na semana passada não passou de um grande susto e de um bom prejuízo. Que pode ser ainda maior, se eles ainda tiverem que remover o que restou do seu barco-casa do fundo do mar.
"O pesadelo ainda não acabou", diz o casal.
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