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Histórias do Mar

Barco robô que atravessava o Atlântico sem ninguém a bordo fracassa e volta

Jorge de Souza

21/06/2021 16h19

Foto: Oliver Dickinson/Promare-IBM Divulgação

A ideia era original: aproveitar as comemorações do quarto centenário do início da migração de ingleses para as Américas para reconstituir a histórica viagem do navio Mayflower, que levou as primeiras famílias da Inglaterra para os Estados Unidos, em 1620.

E a reconstituição seria com uma embarcação igualmente histórica: o MAS 400 Mayflower, o primeiro barco oceânico 100% autônomo, comandado totalmente à distância e equipado até com inteligência artificial, que atravessaria todo o Atlântico sem ninguém a bordo.

Atravessaria…

Porque a primeira tentativa terminou em fracasso.

"Desapontador"

Dois dias atrás, problemas ainda não totalmente identificados levaram os responsáveis pelo projeto a abortar a travessia e resgatar o barco robô no meio do oceano, levando-o de volta a Inglaterra, para "reparos".

É um pouco desapontador, mas retomaremos a travessia assim que identificarmos onde ocorreu o problema no barco e saná-lo", disse o co-diretor do projeto, Brett Phaneuf.

Neste momento, de acordo com o site do projeto, o barco robô está sendo rebocado de volta ao porto de Plymouth, na Inglaterra, de onde partiu, uma semana atrás.

Faz tudo sozinho

A travessia do revolucionário MAS 400 Mayflower, um barco do tipo trimarã, ou seja, com três cascos, e 15 metros de comprimento, equipado com o que existe de mais avançado em tecnologia marítima e capaz até de tomar decisões sozinho com base nas análises feitas pela inteligência artificial que o equipa, vinha sendo acompanhada com atenção por todo o mundo, porque, além do seu caráter histórico, era considerado o primeiro grande teste prático do que pode vir a ser a navegação no futuro, com barcos que navegam sozinhos.

Mas a falha diagnosticada no último domingo, quando o barco diminuiu drasticamente a sua velocidade e teve que ser resgatado por uma equipe de apoio, quando ainda estava no quinto dia de uma travessia prevista para durar três semanas, foi como um balde de água salgada na cabeça dos entusiastas.

"Ele voltará a navegar o mais breve possível", diz Brett Phaneuf, tentando manter aceso o interesse mundial pelo projeto, que tem o apoio até da gigante IBM.

Repetindo a História

Ironicamente, porém, o fracasso inicial do barco-robô serviu para torná-lo ainda mais fiel à histórica travessia que ele tentava reconstituir: a do navio de peregrinos Mayflower, que também partiu do porto inglês de Plymouth, em setembro de 1620, com 102 pessoas e 30 tripulantes, ambicionando chegar à então deserta costa leste americana, mas, por duas vezes, teve que retornar a Inglaterra, por problemas no barco.

Só na terceira tentativa, quando 20 passageiros já haviam desistido da viagem, o Mayflower conseguiu chegar do outro lado do Atlântico, após dois meses de uma sofrida e lenta travessia, que só terminou em 11 de novembro de 1620.

Adiado pela pandemia

Na prática, porém, este foi o segundo contratempo no audacioso projeto da travessia de um oceano inteiro pelo revolucionário barco-robô.

Inicialmente, a travessia inédita de um barco sem ninguém a bordo estava programada para ocorrer no ano passado, quando seriam completados exatos 400 anos da viagem do Mayflower.

Mas a pandemia causada pela covid-19 forçou o adiamento do projeto, porque não haveriam técnicos suficientes para monitorá-lo nem tanto interesse assim pelo experimento, já que as atenções do mundo estavam concentradas no problema.

Agora, um imprevisto, que ainda não se sabe se foi mecânico ou tecnológico, adiou novamente a travessia, que, no entanto, os responsáveis pelo projeto garantem que ainda irá ocorrer – só não sabem dizer quando.

Primeiros colonos dos EUA

A travessia do Mayflower original, quase 401 anos atrás, tinha por objetivo levar as praticamente primeiras famílias a se estabelecerem no território americano, na sua maioria formadas por puritanos separatistas, que buscavam liberdade religiosa, longe do poder hegemônico da Igreja Anglicana inglesa.

Com isso, eles se tornaram, também, os primeiros efetivos colonos do que, mais tarde, viria a se tornar os Estados Unidos.

Naufrágio que inspirou Shakespeare

Antes deles, em solo americano, só havia um minúsculo assentamento de pioneiros ingleses, criado 13 anos antes, na região do atual estado da Virginia, batizado de Jamestown.

E foi para lá que seguia outra nau inglesa, a Sea Venture, com mais de 200 famílias inglesas, quando o seu naufrágio gerou uma catástrofe que serviu até de inspiração para William Shakespeare escrever uma de suas mais famosas peças teatrais – clique aqui para conhecer esta interessante história.

Não fosse o naufrágio da Sea Venture, os ocupantes do Mayflower não seriam considerados os primeiros formadores da America.

E, não fosse do fracasso da primeira tentativa do barco robô MAS 400 Mayflower, ingleses e americanos já estariam se preparando para comemorar mais uma travessia histórica.

Mas, agora, ela terá que esperar um pouco mais.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.