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Histórias do Mar

O que pode ter acontecido com o engenheiro que mergulhou no mar e sumiu

Jorge de Souza

16/06/2021 04h00

Há 12 dias, desde a penúltima sexta-feira, 4 de junho, os familiares e amigos do engenheiro paulista Fernando Dmitruk, de 55 anos, vivem a angústia da espera pelo aparecimento do seu corpo no mar, na região onde ele desapareceu, após mergulhar para nadar.

Naquele dia, por volta das quatro horas da tarde, Fernando, um exímio nadador e dono de ótimo condicionamento físico, embora tivesse acabado de sair de um tratamento doméstico contra a Covid, decidiu nadar um pouco mais, antes que a lancha na qual estava, com a esposa e um casal de amigos, voltasse para a marina.

Como estava habituado a fazer, mergulhou uma vez mais no mar do chamado Canto do Indaiá, um famoso ponto de parada de barcos de passeio, na praia de Bertioga, no litoral norte de São Paulo, e saiu nadando, como já havia feito duas vezes naquele dia.

E nunca mais foi visto.

Buscas continuam

Desde então, a Marinha e o Grupamento de Bombeiros Marítimos do Guarujá vêm promovendo buscas diárias no mar da região, com barcos e apoio das comunidades de pescadores, sem, no entanto, nada encontrar.

"Costumamos ser bem-sucedidos em 90% das buscas que fazemos no mar, mas em 100% dos casos com mais de uma semana de desaparecimento da pessoa só o que achamos é o corpo boiando", diz um tenente do Corpo de Bombeiros que participa das buscas, deixando claro que não há mais esperanças.

"Foi uma fatalidade", resume o amigo e dono da lancha na qual o engenheiro estava, o dentista paulista Alexandre Bussab.

"Agora, só resta tentar encontrar o corpo, para dar algum reconforto à família, e agradecer muito às equipes de buscas e às pessoas que voluntariamente continuam procurando o Fernando", diz Alexandre.

Duas hipóteses

Há, basicamente, duas hipóteses para o que pode ter ocorrido com o engenheiro desaparecido.

A principal delas é o mal súbito seguido de afogamento.

Embora fosse uma pessoa atlética e saudável, Fernando Dmitruk havia acabado de passar por um tratamento contra Covid e há suspeitas de que isso possa ter deixado seu organismo fragilizado, como acontece na grande maioria dos casos de vítimas que sobrevivem ao vírus.

Por conta do recente tratamento, ele teria sido, inclusive, aconselhado pela irmã, que é médica, a não viajar para a praia naquele fim de semana.

Mesmo assim, ele foi.

Mas, segundo o amigo dono da lancha, Fernando Dmitruk parecia muito bem de saúde, como sempre.

No entanto, um ataque cardíaco ou AVC, eventualmente desencadeado pelo esforço físico de mais um trecho a nado, pode ter levado o engenheiro a perder a consciência ou ficar incapacitado de se manter na superfície, levando-o ao afogamento – ou até decretado a sua morte fulminante.

Levado pela correnteza

Na grande maioria dos afogamentos, num primeiro instante o corpo humano afunda, para só retornar à superfície dias depois.

No caso do engenheiro, pode ter acontecido de, ao baixar para o fundo, o seu corpo inerte ter sido colhido pelas habituais fortes correntezas que atingem o local e levado para longe, só vindo a emergir dias depois (se é que isso já aconteceu), em local bem distante, o que explica o fracasso das buscas na região até aqui.

Para dificultar ainda mais as operações, o local onde aconteceu o desaparecimento é famoso pelas constantes oscilações nas correntezas, que a cada dia avançam em uma direção diferente.

Para os amigos, familiares e também o Corpo de Bombeiros, um mal súbito, ou mesmo uma banal câimbra, é a hipótese mais provável para o afogamento e desaparecimento do engenheiro.

Mas há outra, igualmente possível, embora menos plausível: o atropelamento não percebido por algum barco.

Teria sido atropelado?

O local onde aconteceu o desaparecimento do engenheiro é um famoso e movimentado ponto de concentração de barcos, e também serve de passagem para embarcações de recreio que buscam as demais praias do Litoral Norte de São Paulo.

No dia, por conta do mar agitado, havia menos barcos navegando na região do que o habitual, mas, mesmo assim, o piloto de um deles, justamente pelo estado mexido da água, pode não ter percebido o engenheiro nadando à sua frene – algo nem sempre fácil de se visualizar à distância.

Neste caso, o piloto pode não ter sequer notado o atropelamento e seguindo em frente, sem prestar socorro.

Já a vítima pode ter perdido a consciência com o impacto ou sofrido morte imediata, embora contribua para a descrença nesta hipótese o fato de ninguém ter notado a presença de sangue na água, algo frequente nesse tipo de acidente.

Mas existe também uma terceira hipótese, que, no entanto, praticamente ninguém acredita: o ataque de algum animal marinho

Sem sangue na água

Só mesmo os apreciadores de filmes-catástrofes podem crer que um inédito ataque fatal de tubarão na movimentada praia de Bertioga seria o responsável pela desaparecimento e morte do engenheiro paulista, pela simples razão de que isso nunca aconteceu ali, e que, mesmo se ocorresse, ficariam vestígios na água – sangue, por exemplo, o que, como já dito, não foi detectado.

"Tenho 99% de convicção que ele teve um problema de saúde enquanto nadava, até porque só que já teve Covid, como eu também tive, sabe como o organismo fica fragilizado, embora nem sempre a pessoa perceba isso", diz um usuário frequente de barcos na região do desaparecimento.

Queria aproveitar a vida

Segundo Alexandre Bussab, que sempre saía para passear naquela praia com o casal de amigos na sua lancha, ventava bastante fora do abrigo oferecido pela costeira do final da praia, onde eles estavam ancorados, e o engenheiro chegou a ser visto por pescadores que estavam nas pedras nadando além dos limites do mar abrigado pela ponta do morro.

Também segundo ele, pouco antes de sumir no mar, Fernando posou para a foto que ilustra esta reportagem e confidenciou ao amigo que, após o susto que levou com a Covid, "agora queria aproveitar ainda mais a vida", o que também ficava claro nas suas postagens nas redes sociais, onde aparecia sempre sorrindo.

"Assim que percebemos que o Fernando estava demorando demais para voltar ao barco, saímos com a lancha para procurá-lo, mas o mar estava muito mexido fora da praia e logo começou a escurecer. Os Bombeiros chegaram rápido, mas, por conta do estado do mar, também pouco puderam fazer naquela noite", recorda Alexandre, que completa:

"O Fernando era muito querido pelos próprios Bombeiros, porque, como era um bom, nadador, já havia ajudado a salvar gente naquela mesma praia".

Encerrar o ciclo

No começo, a família ainda tinha esperanças de que, justamente por ser um bom nadador, o engenheiro pudesse ter conseguido chegar a alguma ilha ou outra praia da região.

Mas, com o passar dos dias, veio a triste constatação de que isso não havia acontecido, o que permanece até hoje, na busca pelo seu corpo.

"O Fernando sempre foi uma pessoa muito alto-astral", resume o amigo Alexandre. "Agora, só resta confortar a família e rezar para, ao menos, o seu corpo apareça e, com isso, se encerre o ciclo de uma vida que foi sempre muito positiva".

Tragédia até com profissionais

O triste caso do desaparecimento no mar do engenheiro paulista não é o primeiro do gênero que acomete mesmo os mais tarimbados nadadores.

Inúmeros casos assim já aconteceram, envolvendo inclusive nadadores profissionais.

Até o primeiro homem a atravessar o lendário Canal da Mancha à nado, entre a França e a Inglaterra, o inglês Matthew Webb, que entrou para a História como o "Capitão Webb", foi engolido pela própria água que lhe trouxe fama eterna ao tentar atravessar, apenas com a força dos braços, as corredeiras do rio que dá forma às Cataratas do Niágara – clique aqui para conhecer esta história que também acabou em tragédia.

O corpo de Matthew Webb só apareceu quatro dias depois.

Mesmo assim, bem menos que o do engenheiro paulista, que, para aflição da família, continua desaparecido há quase duas semanas.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.