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Histórias do Mar

Russa casa com Assassino do Submarino e diz: ele é vítima do próprio crime

Jorge de Souza

22/05/2021 04h00

Foto: Mikko Suominen/Getty Images

O que você responderia se recebesse uma proposta de casamento de uma pessoa que estuprou, matou, trucidou, desmembrou, picotou e se desfez dos pedaços do corpo da pessoa que assassinou em sacos de lixo jogados no mar?

Pois a artista e ativista política russa Jenny Curpen disse "sim".

E casou-se com o dinamarquês Peter Madsen, que cumpre pena de prisão perpétua pela bárbara morte da jornalista sueca Kim Wall dentro de um submarino que ele mesmo construiu, em 10 de agosto de 2017.

O casamento, comunicado pelos noivos através das suas páginas no Facebook, aconteceu em dezembro de 2019, apenas dois anos após o crime, sob a vigilância dos guardas da penitenciaria de Herstedvester, nos arredores de Copenhague, onde Madsen está preso e foi primeira vez que os dois se viram pessoalmente.

Não houve lua de mel e o primeiro contato físico entre os dois só foi autorizado oito meses depois.

"Monstro da Escandinávia"

Até então, Jenny Curpen e Peter Madsen, o "Monstro da Escandinávia" ou "Assassino do Submarino", como passou a ser chamado pela mídia desde o hediondo crime que chocou a Dinamarca, trocavam apenas correspondências e mensagens.

Ela estava supostamente interessada em um "projeto artístico" que envolveria o condenado.

Ele, em ter alguma companhia, sobretudo feminina – mesmo motivo que o levou a convidar a jornalista Kim Wall para conhecer o submarino que ele havia construído, sobre o qual ela pretendia fazer uma reportagem.

Foto: Mikko Suominen/Getty Images

Kim Wall só saiu do submarino morta, esquartejada e descartada no mar, dentro de sacos de lixo, que Madsen espalhou nas águas da capital da Dinamarca, onde aconteceu o crime.

Esquartejou mas não matou?

No julgamento, Peter, até então um engenhoso construtor de coisas improváveis, como foguetes espaciais e o maior submarino particular do mundo, onde ocorreu o crime, confessou ter desmembrado o corpo da jornalista, antes de jogá-lo no mar.

Mas negou que a tivesse matado, atribuindo isso a um "acidente a bordo" – sobre o qual caiu em contradições diversas vezes.

O júri não engoliu o argumento de Peter Madsen e o condenou à prisão perpétua.

"Sorte de ser sua esposa"

Logo após o julgamento, começaram os contatos com Jenny Curpen, que, desde então, vem atuando intensamente – e agressivamente para tirar Madsen da prisão – apesar da condenação perpétua que recai sobre ele.

"Meu marido (ela faz questão se referir a Peter sempre assim, embora viva na Finlândia com outra pessoa, o também russo Alexei Devyatkin, com que tem dois filhos) é a pessoa mais doce, gentil e talentosa que já conheci, e teve uma vida impecável durante 49 anos, exceto por um único dia", argumenta Jenny, como se isso justificasse a revisão da pena do dinamarquês.

Reprodução Jenny Curpen/Facebook

"Tenho sorte de ser sua esposa", diz a artista russa.

Comentários provocadores

Inteligente, articulada e provocadora ao extremo, sobretudo na agressiva campanha que faz em favor da absurda soltura do atual criminoso mais abominável da Dinamarca, Jenny tem se dedicado com especial afinco a despertar a fúria nos dinamarqueses – um povo, em geral, tão pacato quanto o próprio país onde vivem.

Em suas redes sociais, costuma publicar coisas do tipo:

"Meu marido é um gênio admirado mundialmente que merece respeito".

" O principal beneficiário da morte de Kim Wall foi a mídia, que vive inventando mentiras sobre o meu marido".

"Tudo o que ele quer é ter o direito de levar uma vida familiar normal comigo".

Ou, então, esta aqui, ainda mais desafiadora:

"Nosso segundo casamento será em uma igreja, assim que ele for solto".

A fúria dos dinamarqueses

Os comentários de Jenny Curpen deixam os dinamarqueses ainda mais indignados e revoltados.

"Eu não sei se você é ingênua ou apenas estúpida mesmo", escreveu uma dinamarquesa na página do Facebook dela – que também é repleta de acusações contra o sistema carcerário dinamarquês, que Jenny considera "imoral". "Você deve ser tão doente quanto ele. E tem tudo para ser a próxima vítima desse monstro".

"Você deveria ir a um psiquiatra", escreveu outra.

"Torço para que seus filhos possam ser criados por outra pessoa, que não seja a mãe psicopata deles".

"Que tipo de mãe você é, tentando colocar os seu filhos próximos de um monstro?".

"Você, obviamente, é tão psicopata quanto o "seu marido".

"O lugar de Peter Madsen é no inferno".

"Vadia psicopata", preferiu resumir outro internauta.

"Vítima do próprio crime"

O que gera tanta indignação nos dinamarqueses é que Jenny Curpen, além de falar sem pruridos sobre o seu relacionamento com Madsen (que ela também descreve como sendo uma pessoa extremamente carinhosa, embora eles não possam sequer se tocar nas visitas), parece se divertir em provocá-los.

Recentemente, ela deu a seguinte definição, totalmente capciosa, sobre o crime que Peter cometeu:

 "Meu marido é a segunda vítima daquele crime, porque vive diariamente a punição de estar vivo".

E completou:

"Não devo explicações sobre a minha escolha, porque a minha vida não é da conta de ninguém".

"Crimes acontecem…"

As raras declarações de Peter Madsen também não ficam nada atrás em termos de deboche.

Tempos atrás, ele publicou na página do Facebook que o casal criou para celebrar a união dos dois – e atiçar ainda mais os dinamarqueses , um texto em que dizia, banalmente, que "crimes acontecem…" – como se isso servisse de justificativa para o que fez.

E completava, culpando a própria sociedade:

"Todos nós carregamos algum tipo de culpa. Vai dizer que a mesma sociedade que me mantém prisioneiro não teria usado todos os recursos se a sua liberdade fosse cerceada?

Fugiu da prisão

Peter se referia a tentativa de fuga da prisão que fez, em outubro do ano passado, mas que durou apenas algumas horas.

Ele chegou a escapar do prédio (que, como a maioria das prisões da Dinamarca, oferece algumas regalias aos presos, como saídas regulares das celas), mas foi preso em seguida, nos arredores de Copenhague.

Suspeita de ajudar na fuga

Sobre a fuga, Jenny, sempre interpretando as coisas a sua maneira, escreveu:

"Não foi uma fuga. Foi uma tentativa de suicídio. Um ato desesperado de um homem que vem sendo privado dos seus direitos como preso".
Mais uma vez, choveram protestos e palavrões na sua página no Facebook.

No episódio, a própria Jenny virou suspeita de ter ajudado na operação, mas nada foi comprovado.

Pena além de perpétua

Pela tentativa de fuga, Peter foi punido pela Justiça dinamarquesa com "mais 21 meses de prisão", o que não deixa de ser contraditório para quem já está condenado a ficar preso para sempre.

Mas há uma explicação para aquela pena complementar: ela pode atrapalhar os planos de Jenny Curpen de tirar o marido da prisão, através de algum tipo de benefício humanitário gerado pelo casamento, o que ela garante que vai conseguir.

"Quando ele sair da prisão, vamos viver juntos, como uma família feliz", diz Jenny, quase que zombando dos que a vivem criticando.

Reprodução Jenny Curpen/Facebook

Recentemente, para deixar claro sua certeza disso, Jenny, que além de ex-jornalista (como a vítima de seu marido) também é designer gráfica, fez e publicou na Internet um desenho no qual aparece em uma cena romântica com Peter Madsen.

E sua página no Facebook voltou a ser virtualmente apedrejada.

O verdadeiro motivo?

Para muitos dinamarqueses, o verdadeiro interesse de Jenny Curpen no crimionoso mais odiado do país é outro: angariar fama e visibilidade, o que ela já conseguiu, além de garantir a sua permanência legal na Europa, já que o casamento com um cidadão dinamarquês lhe daria esse direito.

Mas ela nega:

"Meu casamento é genuíno", diz.

Quem é ela?

Reprodução Jenny Curpen/Facebook

Jenny Curpen é uma encrenqueira nata.

Na Rússia, em 2012, foi presa por editar um site contrário ao governo, e junto com seu então companheiro, Alexei Devyatkin (com quem vive até hoje, mesmo se dizendo casada com Madsen), fugiu para a Finlândia, onde conseguiram exílio.

De lá, ela passou a atacar sistematicamente o sistema prisional dinamarquês, como se estivesse falando de um país do Terceiro Mundo – e não de uma nação que está entre os dez países como o maior Índice de Desenvolvimento Humano do mundo.

"O princípio das prisões dinamarquesas não deveria ser a punição e sim oferecer condições para que os presos pudessem analisar suas ações, visando a ressurreição mental e a reconstrução de suas vidas", analisa, como sempre, à sua maneira.

"Eles deveriam tratar de maneira diferenciada quem não tem histórico criminal nem mente criminosa, como é o caso do meu marido", diz Jenny, em uma avaliação tendenciosa e falsa, já que só alguém com algum tipo de distúrbio mental poderia ter feito o que Peter Madsen fez.

E para saber o que o "Assassino do Submarino" fez, e como cometeu o crime recente mais bárbaro da Dinamarca, clique aqui.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.