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Histórias do Mar

Pandemia faz navio virar condomínio e leiloar cabines para “moradores”

Jorge de Souza

14/11/2020 04h00

Imagens: Divulgação Ocean Builders

Que tal vender o seu apartamento e morar em um navio de cruzeiro permanentemente ancorado, feito um prédio flutuante?

Essa é a proposta que uma empresa do Panamá está fazendo para quem quiser mudar radicalmente de vida, de endereço e até de forma de trabalho.

A proposta é a compra, através de um leilão na internet, de uma cabine permanente no navio de cruzeiro Satoshi, que ficará ancorado bem diante da capital do Panamá, feito uma espécie de condomínio sobre o mar.

Mas, de acordo com a empresa, mantendo todas as comodidades habituais de um navio de cruzeiro – bares, restaurantes, piscinas, lojas, casino, spa, academia de ginástica, teatro, cinema e até um parque aquático.

E esta não será a única peculiaridade desse navio em vias de virar um condomínio flutuante.

O navio-condomínio terá, também, o propósito de se tornar uma comunidade de nômades digitais, pessoas capazes trabalhar em qualquer canto do mundo através de um simples computador, bem como apreciadores em geral de inovações tecnológicas. Tanto que a moeda oficial a bordo serão as criptomoedas, ou bitcoins – mas dólares americanos também serão aceitos, claro.

Possível visto de residência

"Queremos transformar o Satoshi em uma comunidade flutuante e uma espécie de incubador de experiências inovadoras, atraindo tanto pessoas que só querem levar outro tipo de vida, quanto aquelas interessadas em criar novos negócios na era digital, trabalhando à distância, a partir do próprio navio", explica o CEO da empresa panamenha Ocean Builders, agora responsável pelo navio, o americano Chad Elwartowski.

E ele acrescenta que o governo do Panamá vê com bons olhos a curiosa iniciativa e até acena com a possibilidade de visto de residência no país para os que decidirem se tornar "moradores" do estático transatlântico.

Além do navio, casas sobre o mar

Elwartowski atua no mercado de moedas digitais há algum tempo, e, de tempos para cá, tenta também implantar o conceito de moradias sobre o mar, "como uma forma de as pessoas viverem bem, em ambientes bonitos e saudáveis, sem precisar gastar fortunas em casas à beira-mar", explica.

Mas, por conta da ousadia de algumas das suas ideias, já se meteu em encrencas.

No ano passado, ele e a namorada tiveram sérios problemas com o governo da Tailândia, depois de ficarem uma espécie de microcasa flutuante bem diante de uma das mais famosas baias do país, e autoproclamar aquele espaço como sendo uma "comunidade autônoma", ou seja, com suas próprias regras e independência.

O governo tailandês não gostou nada daquilo e mandou prender o casal, que fugiu às pressas.

Atualmente, além do navio-condomínio, Elwartowski se dedica a vender casascápsulas, que também pretende fincar no mar do Caribe.

Cabines permanentes por R$ 140 mil

O transatlântico que a Ocean Builders garante que irá transformar em um criptocondomínio (não por acaso, rebatizado Satoshi, pseudônimo do japonês idealizador das criptomoedas) é um navio de cruzeiro de verdade, embora o projeto preveja que ele fique permanentemente ancorado e não navegue.

Tem 250 metros de comprimento, 12 deques (ou andares), capacidade para 2 000 pessoas e 777 cabines.

As cabines, de uso permanente, como um apartamento em um prédio, começaram a ser vendidas esta semana, na forma de leilões, pelo site da empresa – mas com preços estimados entre 25 000 e 50 000 dólares (cerca de R$ 140 000 e R$ 280 000), dependendo do tamanho e localização da cabine no navio.

O leilão vai até o dia 28 deste mês, quando, então, a empresa promete divulgar os primeiros moradores do exótico empreendimento.

"Os preços são pelas cabines, de um quarto com banheiro, embora algumas também tenham varandas. Já o restante da "casa" dos moradores será o navio inteiro, já embutido no preço", explica o site.

"Condomínio" de R$ 4 000 por mês

Além da compra da cabine, os interessados também terão que pagar uma taxa mensal de manutenção do navio, correspondente ao "condomínio" em um edifício convencional, que, de acordo com a empresa, deve ficar em torno de 700 dólares por mês (cerca de R$ 4 000) – um valor relativamente baixo para um mês inteiro a bordo de um navio de cruzeiro, mas só possível porque, como ele ficará parado, não haverá despesas com portos nem combustível.

"É uma forma de viver como um milionário, em um local bonito, seguro e cercado de gente interessante do mundo inteiro, gastando pouco", resume o site, que acrescenta que, para evitar os riscos de contaminação pela covid-19, "todos os moradores receberão tratamento preventivo com hidroxicloroquina".

Moradores já em janeiro?

Foi, no entanto, a própria pandemia que possibilitou o surgimento do projeto, já que a covid-19 aniquilou o mercado mundial de cruzeiros e fez sobrar navios parados.

O Satoshi, ex-Regal Princess, construído 29 anos atrás, é um deles.

Nesse momento, embora a empresa já esteja vendendo cabines e tenha programado o embarque (ou seria mudança?) dos primeiros moradores já para o mês de janeiro, o navio, de acordo com o site de rastreamento de navios Marine Traffic, ainda se encontra parado na Grécia.

"Mas, em breve, ele já estará no Panamá", garante a empresa, que promete revolucionar a maneira como nos relacionamos com o mar.

15 anos sem sair de um navio

Transformar um navio em meios de hospedagem flutuante não é nenhuma novidade, já que todos os navios de cruzeiros são como verdadeiros hotéis. Mas, fazer um navio virar condomínio residencial, com moradores fixos (e, ainda por cima, utilizando dinheiro digital como moeda oficial) não é algo tão normal assim – embora alguns passageiros frequentes de cruzeiros passem tanto tempo a bordo de navios que é quase como se vivessem neles.

O recorde do gênero pertence a milionária americana Clara Macbeth, que, durante 15 anos, morou na cabine de um mesmo navio, indo e vindo sem parar, e sem nunca desembarcar (clique aqui para ler a interessante história desta passageira que se tornou a primeira "residente" de um navio que se tem notícia).

O que, agora, este inusitado cripto-navio-condomínio quer popularizar.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.