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Histórias do Mar

Orgia, sexo oral e homossexualidade: a vida real dos golfinhos de Noronha

Jorge de Souza

31/08/2020 09h26

Fotos: Projeto Golfinho Rotador/Divulgação

No ano em que completa 30 anos de existência, o Projeto Golfinho Rotador, da ilha de Fernando de Noronha, um dos maiores programas de pesquisa de longa duração de golfinhos no mundo, está lançando um livro sobre golfinhos (clique aqui para baixá-lo, gratuitamente).

Entre outras coisas, a obra revela mais algumas particularidades pouco conhecidas de espécies do animal marinho preferido por todo mundo e que, embora viva no mar, não é peixe. Como estas aqui:

Golfinhos gostam de brincar arremessando coisas

Brincar, pelo simples prazer de se divertir, faz parte da rotina dos golfinhos. E isso inclui até brincar com humanos.

Neste caso, a brincadeira mais comum é o arremesso de algas (ou outros itens molengas na água como, inclusive, sacos plásticos) na direção das pessoas, na intenção de que elas atirem de volta na água – como um cachorro que sai correndo atrás de uma bolinha e a traz de volta.

Mas quando nadam na frente dos barcos não estão brincando…

Embora quase todo mundo pense que o comportamento habitual dos golfinhos de nadar na frente ou ao lado dos barcos seja algo divertido para eles, não é. Muito pelo contrário. Praticamente só os machos fazem isso. O objetivo da atividade é proteger o restante do grupo, sobretudo fêmeas e filhotes, enquanto eles passam incólumes por baixo do barco.

Ao fazerem isso, os golfinhos tentam "induzir" o barco a seguir no sentido que eles desejam, a fim de proteger o grupo, naquilo que os técnicos chamam de "comportamento de guarda". Nesse tipo de atividade, só quem se diverte – e equivocadamente são os homens.

Eles fazem carinhos nos filhotes

A afetividade entre indivíduos do mesmo grupo faz parte das características dos golfinhos – sobretudo as fêmeas, que cuidam dos seus filhotes ininterruptamente nos dois primeiros anos de vida e, depois, os acompanham de perto até os oito. Fêmeas acariciando seus filhotes são cenas comuns no mundo dos golfinhos.

Mas não existe a figura do pai

Nos agrupamentos familiares de algumas espécies de golfinhos, como os rotadores de Fernando de Noronha, não existe a figura paterna. Todos os machos copulam com as fêmeas, possivelmente para que não exista o sentimento de paternidade. Dessa forma, todos os machos se tornam "responsáveis" por todos os filhotes, embora quem cuide mesmo deles sejam as mães. E só elas.

Golfinhos praticam infanticídio

Em algumas espécies de golfinhos, não são raros os casos de infanticídio, praticado pelos machos do grupo – que arremessam os filhotes, até que eles morram. Casos como esses já foram registrados, por exemplo, em espécie que vive na costa australiana – não há registro entre os rotadores de Noronha.

Uma das explicações para esse comportamento é que ele teria uma dupla função: diminuiria a possibilidade de surgirem novos líderes rivais no futuro e forçaria as fêmeas a voltar a copular, para repor os filhotes perdidos.

Abusos sexuais são normais

Em certas espécies de golfinhos, é comum os machos se unirem para forçar as fêmeas (ou uma única fêmea) a ter relações sexuais com eles. Assédios sexuais coletivos fazem parte da rotina e cabe às fêmeas tentar evitar isso.

E incestos também acontecem

Relações sexuais entre irmãos e até mesmo entre pais e filhos acontecem no mundo dos golfinhos. E, muitas vezes, ocorrem por iniciativa das próprias crias, como já foi observado entre os rotadores de Fernando de Noronha. Tempos atrás, um golfinho jovem foi visto copulado com a própria mãe nas águas da ilha.

Golfinhos também fazem sexo apenas por prazer

Com exceção dos primatas, os golfinhos são os únicos animais irracionais que praticam relações sexuais apenas por puro prazer, sem fins reprodutivos – mesmo as fêmeas, que, não raro, copulam com vários machos ao mesmo tempo, numa espécie de orgia sexual, cujo único objetivo é saciar o desejo.

São promíscuos e polígamos

Também em nome do prazer, certas espécies de golfinhos mantém relações sexuais promíscuas e polígamas. Há também registro de relações homossexuais, embora, neste caso, possa ser uma forma de subjugar os demais indivíduos, com pleno consentimento deles. A literatura do gênero também registra casos de interesse sexual de golfinhos até por humanos. Como o do golfinho Peter pela sua treinadora, a americana Margareth Howe Lovatt, nos anos de 1960, em um centro de estudos, no Caribe.

Praticam sexo oral

Tal qual orgias e relações homossexuais, o sexo oral também faz parte do cardápio de atividades sexuais de algumas espécies de golfinhos, como os rotadores de Fernando de Noronha. Ali, machos costumam ser vistos fazendo – e recebendo – sexo oral de outros indivíduos do mesmo sexo. Inclusive entre parentes diretos.

Não sentem nenhum tipo de cheiro

Golfinhos não sentem cheiro de nada – porque não possuem olfato. Mas compensam isso com outros sentidos, bem mais apurados. Como a audição, que é dez vezes mais poderosa do que o ouvido humano.

Vivem no mar, mas podem se afogar

Embora vivam no mar, golfinhos são mamíferos, portanto precisam de ar para respirar. De tempos em tempos, precisam subir à superfície para expelir e inalar ar, embora consigam ficar até cinco minutos debaixo d´água.

Mas, por dependerem do mesmo ar que respiramos, eles também podem se afogar, caso não consigam subir à superfície a tempo. Como, por exemplo, se ficarem presos a alguma rede de pesca. Embora vivam no mar, golfinhos convivem com o permanente risco de se afogar.

Não vivem "sorrindo", apesar da cara "sempre feliz"

Embora a aparência dos golfinhos sugira que estejam sempre sorrindo, eles passam a maior parte do tempo tensos, na luta cotidiana pela sobrevivência, como todos os seres marinhos.

A percepção equivocada dos humanos sobre a eterna "alegria" dos golfinhos tem a ver com a forma e a expressão da cara do animal, que parece estar sempre alegre. Mesmo quando estão estressados, assustados, amedrontados ou raivosos, os golfinhos parecem sorrir como o personagem Coringa, dos filmes do Batman.

Alguns se comunicam através de "nomes"

Os golfinhos se comunicam o tempo todo entre si, seja com os sons que emitem ou com certos movimentos e saltos fora d'agua – característica na qual os rotadores (que têm esse nome justamente porque fazem saltos com rotações no ar) de Fernando de Noronha se destacam.

A comunicação através da vocalização consiste numa série de estalidos, silvos e assobios estes, em algumas espécies, com o objetivo de também "chamar" indivíduos específicos, como se fossem "nomes" próprios.

Enxergam até para trás

Além de enxergarem dois lados separados, o direito e o esquerdo, com alcance que, somado, chega aos 300 graus de amplitude (sim, eles praticamente veem o que se passa também atrás deles), os golfinhos ainda possuem uma membrana ocular que, ao descer, praticamente divide a pupila em duas. Isso permite uma visão binocular e perspectiva tridimensional.

Percebem quando as mulheres estão grávidas

Algumas espécies já mostraram, em testes em cativeiro, um comportamento diferente e relaxante quando colocadas diante de mulheres grávidas – como se compreendessem também a gestação humana. O mesmo se aplica a crianças com síndrome de Down, que estas espécies também conseguem identificar.

A explicação, nesse caso, estaria na identificação das ondas cerebrais destas crianças, que, tal qual os golfinhos, usam mais o hemisfério direito do que o esquerdo da mente.

Só perdem para o homem em inteligência

Golfinhos estão entre os seres mais inteligentes do mundo. Só perdem para os humanos e praticamente empatam com os chipanzés, embora possuam um "quociente de encefalização", ou índice que avalia a inteligência de um animal a partir do tamanho do seu cérebro, bem maior que o destes primatas: 5,0 contra 3,0, sendo que os humanos passam de 7,0. Também possuem uma extraordinária capacidade cognitiva, ou seja, competência para aprender e adquirir conhecimento. Tal qual os humanos.

Possuem sentimento de ajuda mútua

Em seus relacionamentos grupais, os golfinhos são solidários (quando um indivíduo do grupo está com dificuldades em subir à superfície para respirar, os demais ajudam, empurrando-o para cima, bem como as fêmeas, que se juntam e ajudam na hora do parto), e estão sempre dispostos a ajudar os seus iguais. Às vezes, até os humanos, embora, neste caso, não se saiba ainda bem por quê?

Mas a ajuda aos homens ainda é um enigma

A história está repleta de relatos de golfinhos que já ajudaram humanos em situações de perigo no mar. Um dos casos mais famosos e enigmáticos da interação desinteressada entre golfinhos e humanos aconteceu no final do século 18, na entrada do porto de Hatteras, nos Estados Unidos, onde um certo golfinho selvagem, que acabou batizado de "Hatteras Jack", passou décadas guiando os barcos por entre os traiçoeiros bancos da areia da região, até o porto da cidade – e jamais se soube por que ele fazia isso.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.