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Histórias do Mar

Após Beirute, ingleses temem a explosão de um navio-bomba da Segunda Guerra

Jorge de Souza

12/08/2020 04h00

A trágica explosão de 2 750 toneladas de nitrato de amônio no porto de Beirute, na semana passada, trouxe de volta um velho fantasma que assombra a Inglaterra há mais de sete décadas.

Também lá existe o risco de explosão. Desta vez, de um velho navio da Segunda Guerra Mundial que afundou parcialmente na foz do Rio Tâmisa com 9000 bombas, 76 anos atrás. E que continua lá até hoje.

Desde que isso aconteceu, em 1944, o cargueiro americano SS Richard Montgomery se tornou uma permanente dor de cabeça para os ingleses, especialmente para os moradores da cidade de Sheerness, que fica bem em frente ao local onde o navio afundou.

As imagens da megaexplosão em Beirute na última terça-feira (4) trouxeram de volta o pesadelo.

Segundo alguns ingleses, a eventual explosão das bombas que ainda há no velho navio poderia gerar uma catástrofe equivalente à do porto libanês – e que, de certa forma, também foi causada pela carga de um navio: o cargueiro de propriedade russa MV Rhosus, que transportava a substância explosiva, recebeu ordens para parar na capital do Líbano, onde, com sérios problemas, afundou depois de ter sua carga transferida para um dos armazéns do porto, sete anos atrás.

O que fazer?

Com a tragédia em Beirute, a necessidade de se fazer algo que diminua o risco de detonação das bombas que ainda restam no SS Richard Montgomery voltou a ser discutido com ênfase no Parlamento inglês.

Um estudo já havia mostrado que os mastros do navio, que estão parcialmente fora d'água já que o local onde ele afundou é bem raso, representam um sério risco, porque "estão exercendo tensão nos restos submersos deteriorados e podem romper a estrutura do casco".

Se isso acontecer, o temor é que a ruptura do casco cause a detonação involuntária das bombas que restam dentro dele, com consequências imprevisíveis nas cidades da região.

A recomendação é que os mastros do navio sejam retirados, numa operação tão cirúrgica quanto delicada – mas, segundo os técnicos, necessária.

Tanto que o Departamento de Transportes da Inglaterra já havia marcado o início da operação para o mês que vem.

Agora, com a explosão em Beirute, o assunto voltou a ganhar destaque, embora ainda divida os ingleses.

Agir ou deixar como está?

Uma parte acha que algo precisa ser feito para diminuir o risco de o velho navio ir pelos ares, levando junto boa parte das cidades próximas. Outra, que o mais prudente é não mexer nele, deixando tudo como sempre esteve.

"Quem irá assumir a responsabilidade se algo der errado?", questionam os defensores da tese de que o melhor é não fazer nada e seguir empurrando o problema com a barriga, como vem acontecendo há mais de três quartos de século.

No entanto, boa parte dos governantes e a própria Guarda Costeira Inglesa, considera que o risco de explosão seja "altamente remoto", porque, com o passar dos anos, as bombas teriam se tornado inertes, embora algumas delas estivessem sendo transportadas com seus disparadores acoplados.

Como tudo começou

Logo após o naufrágio do SS Richard Montgomery, em 20 de agosto de 1944 (clique aqui para conhecer esta história e saber por que isso aconteceu) , parte dos explosivos foram retirados do navio.

Logo, porém, os trabalhos tiveram que ser interrompidos, porque o casco do cargueiro passou a apresentar rachaduras.

Temendo a explosão das bombas, as equipes de resgate abandonaram o local. Para sempre.

Hoje, das 6 100 toneladas de bombas que havia no navio, cerca de 1 400 toneladas (praticamente metade da quantidade de nitrato de amônio que havia no porto de Beirute) continuam dentro dele, sob permanente risco de explosão – pelo menos, sob o ponto de vista de uma parte dos ingleses.

Por que não removem as bombas?

A opção mais óbvia para resolver o problema de vez seria a completa remoção dos explosivos que restam no navio.

Mas isso não é algo tão simples.

Mesmo a explosão controlada das bombas é considerada de alto risco e, por isso, fora de questão.

Estudos já mostraram que caso o navio viesse a explodir, isso geraria uma coluna de água com cerca de 300 metros de altura, lançaria detritos a quilômetros de distância e geraria uma espécie de tsunami, que inundaria a região.

"Seria preciso evacuar todos os moradores das cidades próximas", avalia um técnico no assunto. "Por isso, a melhor medida ainda é a não intervenção. Deixar o navio como está, exatamente como vem sendo feito há 76 anos".

Enquanto isso, ninguém em Sheerness dorme direito sabendo que há um velho navio cheio de bombas bem em frente à cidade.

Um pesadelo que a explosão em Beirute trouxe de volta, com ainda mais intensidade.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.