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Histórias do Mar

Família que vive com salário mínimo num barco vai ter bebê e seguir no mar

Jorge de Souza

07/03/2020 04h00

No final de 2018, quando decidiram pegar o veleiro que haviam comprado com todas as economias que tinham e fazer uma viagem com o barco, de Buenos Aires até Florianópolis, o jovem casal argentino Juan Dorda e Constanza Coll, tinha em mente apenas passar uma temporada em Santa Catarina, com o filho pequeno, Ulisses, então com dois anos de idade.

Hoje, um ano e meio depois, eles continuam no Brasil (agora, na Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro) e não voltaram mais voltaram à Buenos Aires. Nem pretendem.

Agora, menos ainda, porque Constanza, ou Coni, como todos a chamam, está grávida de seis meses, e o casal já decidiu que vai ter o bebê, uma menina, que se chamará Renata, lá mesmo na Ilha Grande, onde o barco que lhes serve de casa desde que partiram da Argentina passa a maior parte do tempo ancorado.

"Queremos que o bebê seja brasileiro e o nosso barco será a sua casa, como já é para o nosso outro filho, que leva uma vida maravilhosa", diz Coni, de 34 anos, uma ex-jornalista de Buenos Aires, que, cansada da vida corrida e assalariada que levava na Argentina, decidiu, junto o marido, mudar radicalmente a vida da família.

Quatro empregos, agora nenhum

"Eu tinha quatro empregos ao mesmo tempo, vivia correndo de um para o outro, e não tinha tempo para ver o meu filho crescendo", diz o marido de Coni, Juan, um ex-psicólogo de 35 anos, que se desdobrava para poder pagar as contas e as prestações do apartamento onde viviam, na capital argentina.

"Até que, um dia, resolvemos vender tudo, comprar um barco, alugar o apartamento para ter alguma renda, e sair viajando pelo mar. Mas não conseguimos passar do Brasil, porque o litoral brasileiro é lindo demais", explica Juan, que agora vibra com o aumento da família na curiosa "casa" onde eles vivem: um colorido veleiro amarelo, de apenas nove metros de comprimento, que vai ser, também, onde o bebê irá viver.

Nem mesmo a catastrófica desvalorização que a moeda argentina vem sofrendo, o que diminui, em reais, o valor que eles recebem pelo aluguel do apartamento em Buenos Aires, único rendimento do casal, desanima ou preocupa o jovem casal: "Atualmente vivemos com o equivalente a um salário mínimo do Brasil, mas dá", diz Juan. "A vida num barco é muito simples e barata, eu pesco para ajudar nas refeições e, aqui na Ilha Grande, nem tem onde gastar dinheiro", analisa.

Juan e Coni não acreditam que a chegada do bebê mude este quadro. "Sob o ponto de vista da natureza, tudo o que um bebê precisa é de atenção integral dos pais, e tempo para isso, hoje, é o que nós mais temos", diz Juan, que também considera um barco como sendo a casa ideal para qualquer criança, porque, nele, como o espaço é limitado, "a família está sempre junta e unida".

"Se a família está bem, todo o resto está bem, também", analisa o ex-psicólogo, que, tal qual a esposa, não sente nenhuma saudade da vida que levava na maior cidade da Argentina.

"Hoje, acompanho bem de perto cada passinho do desenvolvimento do Ulisses, e o mesmo acontecerá com o bebê, assim que ele vir morar no barco, o que deve acontecer logo em seguida ao parto", diz Juan, com total aprovação da esposa.

Parto (quase) no mar

O plano do casal é, quando estiver se aproximando o dia do nascimento, parar o barco próximo a um hospital de Angra dos Reis ou Ilha Grande e ficar aguardando o momento. "Amamos a vida natural, mas preferimos não correr nenhum risco no parto. Seria ótimo o bebê vir ao mundo no próprio barco, e muita gente tem nos sugerido isso, mas ela terá muito tempo para curtir o nosso veleiro-casa depois", diz Juan, que já está providenciando o "bercinho" do bebê: uma espécie de rede, que instalará na cabine do barco. "Veleiros balançam naturalmente, então, o bebê se sentirá bem à vontade no barco", analisa o simpático e bem-humorado casal.

O bebê foi gerado quando eles estavam passando uma temporada com o barco na Bahia, mas, por conta da gravidez, resolveram retornar à Ilha Grande, um lugar que eles adoram. " A ilha é o nosso paraíso", diz Coni. "Adoro tomar banho nas cachoeiras, até porque não temos chuveiro no barco".

O veleiro-casa do casal, batizado de Tangaroa 2, mas muito mais conhecido como o "O Veleiro Amarelo", nome que passaram a usar também nas suas redes sociais, onde se dedicam a mostrar o tranquilo e gostoso dia a dia da família, tampouco tem geladeira, mas nem isso preocupa a família. "Bebê precisa de leite materno e isso não depende de geladeira", brinca Juan.

Recentemente, além do bebê que se aproxima, a família também cresceu com a adoção da cadelinha Lula, uma vira-lata que eles encontraram durante um passeio na própria Ilha Grande, e que, tal qual o pequeno Ulisses, se adaptou perfeitamente à vida no barco. "Agora, temos até cachorro e somos uma família completa", diz Juan, feliz da vida com a vida que ele, a mulher e o filho levam.

Mas, e o futuro?

"Não fazemos muitos planos", diz Juan. "No máximo, planejamos o que faremos no próximo ano. Mas sabemos que, em breve, teremos que colocar o Ulisses numa escolinha, e, mais tarde, também a Renata, porque queremos que eles tenham, assim como eu e Coni tivemos, a chance de decidir o que farão quando forem adultos. Eles decidirão se vão querer ter uma profissão que dependa de faculdade ou formação superior, ou apenas aproveitarão a vida da maneira mais simples e natural possível, como estamos fazendo".

Coni e Juan não são os primeiros a trocar uma casa por um barco e cidade pelo mar. Ao contrário, de tempos para cá, vem aumentando a quantidade de jovens casais que decidem experimentar este novo tipo de vida. Como o casal de paulistas Claudio Diniz e Priscila Lima, que não só mora em um veleiro, como noivou e praticamente se casou recentemente no próprio barco onde vivem.

A diferença é que, enquanto o casal paulista se resume a apenas eles dois no barco, os argentinos Juan e Coni já abrigam uma família inteira no veleiro. Que vai aumentar ainda mais assim que o bebê chegar e, também, for morar no mar.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.