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Histórias do Mar

Rádio do Titanic, que pediu socorro no naufrágio, poderá ser resgatado

Jorge de Souza

28/01/2020 13h17

Imagens da expedição que explorou o que sobrou do Titanic (Crédito: Getty Images)

Mesmo após quase 108 anos no fundo do mar, o Titanic ainda fascina e dá o que falar.

No mês passado, foi selado um acordo entre Estados Unidos, Inglaterra, França e Canadá para restringir os mergulhos de submarinos turísticos no local onde ele afundou, na madrugada de 15 de abril de 1912.

O objetivo da medida foi "tratar com respeito o local onde mais de 1 500 almas descansam",disse a secretária dos Transportes Marítimos da Grã-Bretanha, Nusrat Ghani, e preservar os destroços do naufrágio mais famoso da História, que após mais de um século debaixo d'água, já vem sendo deteriorado pela ação do tempo – e a visita frequente de submarinos aos restos do navio é vista como um acelerador desse processo.

Pelo acordo, aqueles países poderão recusar pedidos de mergulhos no local do naufrágio do Titanic, embora ele tenha ocorrido em águas internacionais, portanto que não pertencem a nenhuma nação, a cerca de 650 quilômetros da costa do Canadá.

Tempos atrás, até o Google Mapas divulgou a localização exata do navio no fundo do mar, tornando ainda menos difícil o acesso de milionários interessados em visitá-lo.

"Mesmo estando em águas internacionais, estes países, como signatários da convenção da Unesco para a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático Mundial, estão autorizados a criarem regras que visem proteger os restos do Titanic", explica o advogado com estudos em direito internacional, Fernando Barboza Dias.

Até então, os restos do transatlântico mais famoso de todos os tempos eram protegido apenas pela Unesco.

Agora, a previsão é que a preservação do local aumente.

Ou não.

Entrar no navio?

Na contramão da medida, a empresa americana RMS Titanic Inc, que tem os direitos de resgate de artefatos do navio, organiza incursões ao naufrágio e já coletou mais de 5 500 objetivos espalhados no entorno dele no fundo do mar para exibi-los em exposições itinerantes, anunciou, na semana passada, que entrará com um pedido na Justiça do estado americano da Virgínia para resgatar o aparelho de rádio do navio, a partir do qual foram enviados os desesperados pedidos de socorro no dia do naufrágio.

Reprodução U.S. District Court

Se o pedido for autorizado, será a primeira vez que o interior do navio será visitado e um objeto retirado, já que, até hoje, tudo o que foi resgatado do Titanic havia sido lançado para fora do navio durante o naufrágio.

Antes mesmo de ser analisado, o pedido já despertou a indignação de parentes das vítimas do naufrágio, que veem a "invasão " do navio como a violação de um local que deve ser respeitado como sepulturas submarinas.

Já os responsáveis pela empresa que fez o pedido, alegaram ao jornal inglês "The Telegraph" que o resgate do equipamento deve ser tratado como algo histórico, "porque ajudará a contar a história do naufrágio ainda melhor para as futuras gerações", e que a remoção do rádio será feita de maneira "cirúrgica", para não causar danos ao navio e respeitar o local de descanso das vítimas.

Segundo a empresa que quer fazer o resgate, o rádio do Titanic, um dos primeiros equipamentos do gênero, já que a fora inventado apenas pouco antes pelo italiano Guglielmo Marconi, é o "rádio mais icônico do mundo".

Youtube/Bluestarlines

Foi daquele equipamento que partiram as mensagens desesperadas do Titanic naquela trágica noite, inclusive um dos primeiros sinais de SOS da História, código que, até hoje, identifica pedidos urgentes de socorro.

Através de depoimentos dos tripulantes do navio Carpathia, que estava na região do naufrágio e resgatou os sobreviventes da tragédia, a última mensagem enviada pelo operador de rádio do Titanic, Jack Phillips, que ficou enviando pedidos de socorro até o último instante, foi: "Venham rápido. Casa de máquinas quase inundada!".

Em seguida, o Titanic ficou sem energia, o rádio emudeceu e seus infelizes ocupantes perderam o único contato que tinham com o restante do mundo.

Dos 2 223 ocupantes do então maior navio do mundo naquela viagem inaugural, apenas 706 pessoas sobreviveram a tragédia, causada pela colisão com um iceberg.

Exatas 1 517 pessoas morreram no Titanic, que, no entanto, não foi o pior naufrágio da História em número de vítimas fatais.

O triste mérito cabe ao pouco conhecido navio alemão Wilhelm Gustloff, que matou seis vezes mais pessoas, ao ser torpedeado por um submarino russo, nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial.

Nada menos que 9 300 pessoas, das estimadas 10 500 que havia a bordo, morreram no naufrágio do Wilhelm Gustloff, que, no entanto, foi praticamente ignorado pela História.

Agora ou nunca

No caso do rádio do Titanic, o resgate do equipamento só se tornou tecnicamente possível depois que uma parte da estrutura do navio, que ficava imediatamente acima da sala de rádio, desabou, de maneira natural, 15 anos atrás.

Com isso, abriram-se buracos que permitiriam a entrada de um mini-submarino na sala de rádio, a fim de recolher o equipamento.

A empresa que quer fazer o resgate alega que o próximo desmoronamento pela ação do tempo atingirá a própria sala de rádio, selando de vez todas as possibilidades de recuperação do histórico equipamento.

Isso, porém, só acontecerá se a Justiça americana permitir um novo mergulho no navio, o que os signatários do recente acordo também querem impedir.

Mais dois Titanics

Enquanto isso, bem longe das discussões legais e do local onde os restos do lendário transatlântico repousam, dois outros Titanics estão sendo construídos, ambos na China.

Um deles será uma réplica fiel do navio, cuja construção está sendo financiada por um bilionário australiano, e com viagem inaugural (na mesma rota onde o Titanic original afundou) prevista para daqui a dois anos.

Já o outro será um navio apenas de fachada, mas com tamanho real, que ficará permanentemente ancorado junto a um resort turístico chinês.

O fascínio do Titanic não acaba nunca.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.