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Histórias do Mar

Por que este ser marinho que parece um cocô vale tanto para os chineses?

Jorge de Souza

20/12/2019 09h21

Pepino-do-mar (Crédito: Getty Images)

De tempos em tempos, são apreendidos com contrabandistas, sobretudo no litoral entre São Paulo e Rio de Janeiro, exemplares de um dos mais esquisitos – e menos conhecidos – seres do mundo marinho: o pepino-do-mar.

Um equinodermo, como os ouriços e as estrelas-do-mar, ele lembra uma minhoca gigante, sem membros nem cabeça ou rabo claramente visíveis.

A última apreensão de vulto aconteceu no ano passado, quando quatro homens – um deles chinês –  foram flagrados transportando cerca de 200 quilos de pepinos-do-mar que haviam sido capturados na região de Angra dos Reis, numa blitz rodoviária ocasional na estrada Rio-Santos.

Na ocasião, eles foram autuados e multados por crime ambiental, já que a captura do pepino-do-mar é proibida no Brasil, bem como na esmagadora maioria dos países.

Mas não na China, onde este ser, cujo formato lembra um verme colossal, é considerado uma iguaria.

E era para lá que aqueles pepinos-do-mar extraídos do mar brasileiro seriam contrabandeados, como se fossem pedras preciosas. Na China, os pepinos-do-mar valem muito e podem chegar a ser vendidos pelo equivalente a R$ 20 000 o quilo.

Por que tudo isso?

Mas o que torna tão valioso um ser molenga e gosmento, que mais parece um cocô na aparência?

Na China, bem como em outros países da Ásia, como Malásia e Filipinas, os pepinos-do-mar são requisitadíssimos, tanto na medicina quanto na cozinha. E, nos dois casos, por bons motivos.

Na medicina e na comida

A ciência já comprovou que os pepinos-do-mar são eficazes em tratamentos de doenças como artrite e incontinência urinaria (há quem inclua até a impotência), além de serem repletos de nutrientes e com baixíssimos níveis de gorduras e calorias – bons, portanto, também para programas de emagrecimento.

Já, na cozinha, quando bem preparados (é preciso tomar certo cuidado porque certas partes do animal são tóxicas), podem se transformar em pratos sofisticados, embora na maioria das vezes sejam vendidos apenas desidratados, em mercados asiáticos.

Um prato tradicional a base de pepino-do-mar feito na província chinesa de Shandong (Crédito: Getty Images)

Por que esta restrição praticamente mundial a captura de um ser marinho que nem peixe é?

Dois motivos:

Primeiro porque, apesar da sua aparência algo repugnante, os pepinos-do-mar desempenham papel muito importante nos oceanos.

Eles atuam como uma espécie de filtro, purificando a água e o fundo. Vivem rastejando na areia, aspirando tudo o que encontram, em busca de alimento.

Com isso, não só limpam permanentemente o leito oceânico, como ajudam a reciclar a água do mar, que sai pura ao passar por dentro do seu corpo.

Além disso, os pepinos-do-mar excretam, junto com a areia engolida, carbonato de cálcio, um ingrediente primário na formação dos corais – um típico caso de cocô que beneficia a natureza.

Consumo exagerado

Já o segundo motivo para a proibição quase mundial da captura dos pepinos-do-mar é porque, como quase tudo na China, o seu consumo tornou-se exagerado, a ponto de começar a pôr em risco a sobrevivência da espécie – tanto que os chineses já buscam pepinos-do-mar até no mar brasileiro.

Contribuiu para isso o bom momento da economia chinesa, que tem dado a cada mais pessoas condições de consumir um produto até então financeiramente inacessível.

A demanda cada vez maior do mercado chinês por pepinos-do-mar tem feito aumentar a busca deles em mares de todo o mundo.

Multa irrelevante

Nos Estados Unidos, tempos atrás, dois homens foram multados em mais de 1 milhão de dólares pela compra e venda ilegal de um carregamento de pepinos-do-mar, lá chamados de sea cucumbers, que havia sido contrabandeado do México.

No Brasil, no entanto, a multa prevista pela atual legislação ambiental não passa de R$ 500 a unidade capturada ilegalmente.

"É muito pouco, o que incentiva os contrabandistas a correrem o risco", lamenta a fiscal do núcleo ICMBIO Alcatrazes, Edineia Correia, que atua justamente numa das áreas mais visadas pelos infratores no litoral brasileiro.

Ser vulnerável

Apesar do problema em escala mundial, não existem dados oficiais sobre o declínio das populações de pepinos-do-mar nos oceanos.

Sabe-se, porém, que alguns tipos já são considerados vulneráveis ou ameaçados de extinção, especialmente no Pacifico.

A situação ainda não é tão critica quanto, por exemplo, a dos atuns (como já abordado em post neste blog), mas o que se pretende é, justamente, que não chegue a este ponto.

Os pepinos-do-mar podem não ser bonitos. Mas, como todos os seres do planeta, merecem continuar existindo.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.