Eles pagam para trabalhar, mas moram felizes dentro de um navio
A família do holandês Tiemen Buurma não é como outra qualquer. A começar pelo local onde vive: dentro de um navio, numa cabine que foi convertida numa mini casa de verdade – tem sala com cozinha integrada, banheiro e quarto das crianças com armários para os brinquedos e prateleira para os livros da escola.
Ali, Tiemen, um engenheiro de 38 anos, mora com a mulher, Haelyn, de 40, nascida na ilha de Trinidad, no Caribe, mais as filhas Thieske, de 8 anos, e Ilja, de 7, que praticamente nasceram e sempre moraram no navio, que hoje é a única casa da família.
"Vendemos nossa casa anos atrás e nos mudamos para o navio, que virou a nossa casa itinerante. Para onde o navio vai, ela vai junto, não é interessante?", diz o holandês Tiemen, sempre com um sorriso no rosto.
Tiemen e a mulher Haelyn trabalham no próprio navio (ele, como chefe da casa de máquinas, ela na parte administrativa) e, por isso, não pagam pela moradia. Mas pagam por algo bem mais incomum: eles pagam para trabalhar. E fazem isso felizes da vida.
Trabalho sem salário
"Trabalhamos seis dias por semana, em turnos de oito horas cada, como qualquer emprego. Mas não só não recebemos salário como usamos parte do dinheiro da venda da nossa casa para pagar nossa permanência no navio, mesmo trabalhando de graça. E somos muito felizes e gratos por isso", diz Tiemen, que, tal qual a mulher Haelyn, é voluntário no, talvez, mais curioso navio do mundo, o Logos Hope.
O navio Logos Hope (algo como "Palavra Esperança", numa mistura de grego com inglês) pertence a uma organização evangélica com sede na Alemanha e passa o ano inteiro viajando pelo mundo, fazendo longas escalas em diferentes países, para, segundo eles, "oferecer ajuda e compartilhar conhecimentos".
Maior livraria flutuante do mundo
Isso é feito de duas maneiras: convidando as pessoas a visitarem o navio e interagirem com seus tripulantes, como a própria família Buurma, e oferecendo livros de todos os gêneros (mas com ênfase especial em Bíblias e obras religiosas) a preços módicos, que são vendidos na grande livraria que há a bordo do navio – a maior livraria flutuante do mundo!
O duplo apelo (conhecer um navio diferente, onde moram mais de 400 pessoas dos mais diferentes países, quase todos jovens na faixa dos 20 anos de idade, todos voluntários e que também pagam para trabalhar a bordo, e comprar livros, em português e inglês, com bons descontos) é forte o bastante para atrair multidões de visitantes, a maioria evangélicos, que criam longas filas em todas as escalas do navio.
Desde que o Logo Hope chegou ao porto de Santos, no final do mês passado, imensas filas tem se formado para visitar o navio e conhecer sua grande livraria, que ocupa praticamente um deque inteiro– embora seja preciso comprar ingresso para entrar nele.
O roteiro do navio
De Santos, o navio partirá, nesta quarta-feira, para o Rio de Janeiro, onde ficará aberto para visitações até 8 de outubro. Depois, seguirá para os portos de Vitória (de 9 a 22 de outubro), Salvador (24 de outubro a 6 de novembro) e, finalmente, Belém, onde ficará até 28 de novembro, antes de deixar o país e tomar o rumo do Caribe, iniciando mais uma viagem de volta ao mundo que nunca termina.
"O dinheiro dos ingressos, da venda dos livros, das doações e dos pagamentos que os voluntários, como eu, fazem para trabalhar no Logos Hope é que sustentam o navio", explica um jovem tripulante americano, de 22 anos, que se diverte ensinando inglês aos visitantes, em troca de algumas palavras que eles lhes ensinam em português. "Nós ajudamos as pessoas, compartilhando conhecimento, e elas nos ajudam, comprando os livros da livraria, para que possamos seguir navegando e ajudando outras pessoas", define.
"Ao longo da nossa história, estivemos em mais de 1 500 portos, de 151 países, e recebemos perto de 50 milhões de visitantes, o que significa que uma em cada 150 pessoas do planeta já esteve em um dos nossos navios", diz, orgulhoso, o diretor geral do Logos Hope, o coreano Pil-Hun Park, que, assim como todo mundo a bordo, mora no próprio navio. Alguns, com a família inteira. Como o holandês Tiemen.
Até escola a bordo
Por isso, para as crianças, existe até uma escolinha a bordo, que também ensina diversos idiomas. Além disso, o navio tem médico, dentista, padeiro e tudo o mais de uma pequena comunidade. Só que itinerante e flutuante.
"No navio, ficamos o tempo todo em contato com pessoas de outras nacionalidades, que têm outras culturas e outros hábitos e isso nos ensina a sermos tolerantes e respeitar uns aos outros", resume o holandês Tiemen, engenheiro chefe de um navio sui-generis, onde todo mundo (inclusive o comandante) paga para trabalhar.
E ele completa:
"Como eu e minha família não temos mais casa para morar, somos livres para ir para onde quisermos, quando deixarmos do navio", explica Tiemen, invertendo a lógica reinante.
E finaliza: "Isso não é maravilhoso?"
Fotos: Jorge de Souza e Divulgação Logos Hope
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