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Histórias do Mar

Remar canoas havaianas: a nova onda das mulheres de uma ilha bem brasileira

Jorge de Souza

07/08/2019 13h39

Todos os dias, faça chuva ou sol, um grupo de pacatas mães e donas de casa de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, acorda bem cedo para praticar uma atividade não muito comum entre mulheres: remar canoas no mar.

E o mais curioso é que elas não são atletas. Fazem isso apenas porque gostam, cada vez mais, de remar juntas em grupos de seis em cada barco, grandes, compridas e curiosas canoas, com uma espécie de flutuador numa das laterais, que aqui no Brasil foram batizadas como canoas havaianas – e que viraram a mais nova onda na ilha mais famosa do litoral de São Paulo.

"Nunca me imaginei remando um barco, mas agora não me vejo fazendo outra coisa melhor", diz uma das mais assíduas praticantes, a aposentada Maria Celeste Barbosa, de 69 anos, mãe de dois filhos e avó de dois netos, que hoje até afirma que deve sua vida à atividade.

"Foi graças ao remo que descobri que estava prestes a ter um infarto, porque certo dia fiquei muito cansada. Daí, fui fazer exames e descobri que minhas artérias estavam quase entupidas. Não fosse o alerta dado pela canoa, talvez eu não estivesse mais aqui".

Idade não é problema

Prestes a completar 70 anos, Maria Celeste não é nenhuma exceção à regra. Em Ilhabela, a maioria das praticantes do remo em canoa havaiana são mulheres que há muito deixaram a juventude para trás. Mas que nem por isso se aposentaram dentro de casa.

"Só quando alguma nova colega do grupo me chama de 'senhora' é que lembro a minha idade", brinca Maria Celeste, que por conta do prazer que a atividade lhe proporciona até mandou fazer uma pequena tatuagem no braço. "No Havaí, as canoas são sagradas e, para mim, também passaram a ser. É um santo remédio para o corpo e a mente".

A opinião é compartilhada por dez em cada dez praticantes da atividade, que, embora também seja feita por homens, caiu em cheio no gosto das mulheres – sobretudo em Ilhabela, onde elas já passam de dezenas de remadoras, a maioria delas sem nenhum interesse ou ambição na versão competitiva do esporte.

Depois do câncer, a canoa

"Remamos juntas apenas porque isso é delicioso, estimula o corpo e fomenta novas amizades, além de colocar a gente em contato direto com a natureza, em pleno mar", explica outra madura praticante assídua, a ex-psicóloga Ivone Waldeck, de 57 anos, que, ao contrário de Maria Celeste, só descobriu os prazeres da atividade após um sério problema de saúde.

"Tive câncer de mama, precisei fazer mastectomia e, deprimida, ficava olhando para o mar. Um dia, lendo um artigo de um conceituado médico canadense, descobri que remar aquele tipo de barco, onde o esforço é dividido com outras pessoas, fazia bem para mulheres mastectomizadas, porque fortalecia a musculatura sem exigir muito esforço. Daí, comecei a remar. E nunca mais parei", diz Ivone.

"70% dos membros do nosso clube são mulheres", confirma Marcos Möller, coordenador do Paddle Club Ilhabela, um dos três clubes de canoas havaianas que já existem na ilha, embora o "clube" não passe de uma simples faixa de areia na prainha em frente à marina onde ficam guardados os barcos.

"Elas vêm uma vez para experimentar, gostam e começam a trazer as amigas, até porque remar em grupo é muito divertido e desenvolve a harmonia e a convivência, porque, se não houver total sintonia nas remadas, a canoa não avança", explica Marcos, que completa: "É preciso espírito coletivo e total interação do grupo para fazer a canoa avançar com ritmo e eficiência. E isso é simplesmente contagiante".

Seis ao mesmo tempo

Por suas características, as canoas havaianas – criadas na Polinésia há 3 mil anos, mas que só começaram a chegar ao Brasil há menos de 20 anos – não podem ser remadas por apenas uma pessoa. As mais habituais exigem seis remadoras, em total sincronia de movimentos, o que implica na total integração do grupo.

"Entre começar a remar em sintonia e virar uma grande amizade é meio passo", atesta outra apaixonada praticante das canoas havaianas, a ex-paulistana, hoje moradora de Ilhabela, Mônica Nunes, de 52 anos e mãe de dois filhos.

E é de graça!

"As pessoas podem ser totalmente diferentes, pensar em direções opostas, mas quando entram nas canoas e começam a remar ficam todas absolutamente iguais, porque é a harmonia que faz o barco avançar", explica Mônica, que pelo menos três vezes por semana acorda bem cedo e sai para remar – não raro, levando junto uma nova amiga que nunca remou na vida.

"Nas canoas, todo mundo é bem-vindo, até porque não há grandes restrições físicas. Daí o sucesso entre as mulheres, mesmo aquelas que nunca praticaram nenhum esporte", diz Marcos, que só vê aumentar a frequência do clube que criou só para as canoas havaianas e que nada cobra dos associados.

"As canoas são de uso coletivo e ninguém paga nada por isso. É só chegar e se enturmar", convida.

E cada vez mais mulheres de Ilhabela estão aceitando o convite e criando, com isso, um novo hábito na ilha: o remo feminino, de manhã bem cedo, todos os dias.

Fotos Fabio Mota/Marcos Möller/Arquivos Pessoais

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.