Português dá volta ao mundo navegando para envelhecer 200 litros de vinho
Em janeiro desse ano, o velejador português Henrique Afonso, de 57 anos, partiu da Ilha da Madeira, onde nasceu e sempre viveu, para uma longa viagem: dar a volta ao mundo navegando sozinho em seu barco, um pequeno veleiro de nove metros do comprimento.
Hoje, cinco meses depois, ele já está no litoral do Equador, depois de atravessar todo o oceano Atlântico e, também, o Canal do Panamá, se preparando para cruzar o Pacífico até o Taiti, viagem que pretende iniciar nos próximos dias.
Se conseguir completar o percurso de mais de 50 mil quilômetros de mar, será a primeira vez que um habitante da famosa ilha portuguesa (berço, entre outros, do jogador Cristiano Ronaldo) realizará a façanha de contornar todo o planeta navegando sozinho.
Mas, bem mais interessante do que a viagem em si do velejador que se considera "mais madeirense do que português", acentuando o forte sentimento antinacionalista da maioria dos habitantes daquela ilha, é o que ele leva a bordo do seu pequeno veleiro: duas barricas com nada menos que 200 litros do famoso vinho produzido na ilha – que ele não pretende consumir uma gota sequer.
O objetivo de levar tamanha quantidade de vinho a bordo do seu pequeno barco é o de reconstituir um fato histórico: o da maturação e envelhecimento do vinho da Ilha da Madeira nos porões das caravelas portuguesas, como na época dos descobrimentos.
Motivo histórico
Naquela época, barricas de vinho da ilha eram embarcadas tanto para o consumo da tripulação quanto para servir de lastro e melhorar a estabilidade das caravelas durante as longas travessias portuguesas mundo afora.
Mas nem todas as barricas eram consumidas e as que retornavam exibiam um vinho de sabor bem mais agradável, depois de tanto tempo chacoalhando nos abafados porões das caravelas.
Foi quando os madeirenses descobriram um fato curioso: as longas viagens marítimas sob intensas variações de temperaturas faziam muito bem ao vinho da ilha.
Nascia assim o "Vinho da Roda" (porque "rodava o mundo antes de ser consumido") ou "Torna Viagem", que trouxe fama mundial ao hoje principal produto da Ilha da Madeira.
E é isso o que o português Henrique Afonso está recriando agora, cinco séculos depois.
Cervejas também
Junto, na viagem, o velejador também leva uma caixa fechada de cerveja de um fabricante da ilha, que está completando 50 anos e aproveitou para pegar uma "carona" na inédita travessia.
Ao retornar, tanto o vinho quanto a cerveja farão parte de uma espécie de "reserva especial", com valor histórico e comercial, razão pela qual o velejador se comprometeu a não consumir nem uma coisa nem outra.
"Apesar da vontade que dá, as bebidas estão intactas no barco", garante Henrique Afonso, que não tem data para completar a travessia nem mesmo um roteiro rigidamente definido.
"Vou, mais ou menos, para onde o vento me levar. Não tenho pressa, nem compromissos. Se a viagem durar mais do que o previsto, nenhum problema. Quanto mais tempo o vinho ficar no guardado no barco, melhor será o seu sabor na volta".
Até aqui, por onde tem passado, o velejador que transformou o seu barco numa espécie de adega tem sido recebido com muita curiosidade. No Panamá, recebeu até a visita do cônsul português no país, que foi homenageá-lo no barco.
"Virei uma espécie de embaixador mundial do vinho da Ilha da Madeira e isso muito me orgulha", diz o velejador, que mantém uma página no Facebook, usa sempre uma bandana na cabeça e, na sua terra, é mais conhecido pelo apelido de Pirata.
"Minha viagem é uma espécie de desintoxicação da sociedade. Quando estou sozinho no meio do mar, não uso nem roupas. Sei que não vou ganhar nenhum troféu, nem ficar rico. Mas, talvez, ajude a aumentar a fama do vinho da minha ilha"
O velejador português espera passar pelo Brasil na reta final da sua longa e imprevisível travessia. "Quem sabe, no ano que vem. Vamos a ver o que vai acontecer".
Fotos: Arquivo Pessoal
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