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Histórias do Mar

Publicação histórica: Brasil tem a revista marítima mais antiga do mundo

Jorge de Souza

24/05/2019 12h07

Se comparada às marinhas dos países mais desenvolvidos, a do Brasil não está entre as maiores – embora seja a número 1 do continente sulamericano. Mas, em pelo menos um aspecto, a Marinha Brasileira ocupa o topo do pódio mundial: ela edita a revista marítima mais antiga do mundo, entre as publicações do gênero que ainda estão em atividade.

Fundada em 1851 (portanto, há 168 anos — ou mais de um século e meio atrás), a Revista Marítima Brasileira, editada ininterruptamente desde então pela própria corporação, é também a revista mais antiga do Brasil e uma das mais longevas do planeta, entre todos os gêneros.

Ela só não foi também a primeira revista marítima do mundo porque a publicação da Marinha Russa, Morskoll Sbornik, veio primeiro: foi criada em 1848, mas já não é mais editada.

"Temos muito orgulho da nossa história e trajetória", diz o Capitão Marcello Ramos e Silva, que juntamente com o também capitão Miguel Augusto Magaldi, ambos já na reserva da corporação, são os atuais responsáveis pela publicação, que sai a cada três meses, mas com a expressiva quantidade de 320 páginas, sem nenhuma publicidade.

"Quando ela começou, os navios da Marinha do Brasil ainda eram movidos à vela e a pólvora (na versão sem fumaça) nem sequer tinha sido inventada".

"Nas páginas da Revista Marítima está registrada a própria história da Marinha do Brasil nos últimos 168 anos", diz o capitão-editor Marcello.

Quem teve a ideia de criar uma revista naval no Brasil, algo até então praticamente inédito no mundo, foi um simples primeiro-tenente, o carioca (mas nascido em Portugal) Sabino Eloy Pessoa, que, na primeira edição, publicada em 1º de março de 1851, escreveu no editorial de primeira página: "Depois de tanta profia, eis, afinal, publicado o primeiro número de uma folha da Marinha".

Guardada num cofre

O exemplar, histórico, do qual só restou uma unidade, devidamente amarelada e fragilizada pelo tempo, encontra-se guardado num cofre na Biblioteca da Marinha e só raramente pode ser manuseado por pessoas qualificadas e devidamente enluvadas. "Eu mesmo jamais vi o original da primeira edição", diz Marcello, que edita a revista há 12 anos.

A própria redação da revista exemplifica bem o caráter histórico da publicação. Ela é editada pela Diretoria do Patrimônio Histórico e de Documentação da Marinha, numa austera sala do Museu Naval Brasileiro, no Espaço Cultural da Marinha, no Rio de Janeiro, e decorada com um mobiliário tão antigo quanto a própria publicação.

"Minha mesa tem, certamente, mais de um século e por ela já passaram colaboradores históricos, como generais e almirantes, que sempre fizeram questão de publicar artigos na revista, porque ela dá prestígio", diz o editor, que, mantém a tradição de publicar, a cada edição, longos artigos sobre questões ligadas ao mar, à história naval, à ações bélicas marítimas, entre outros assuntos de interesse geral.

"Só não abordamos temas políticos, porque isso está no estatuto da revista", diz o sub-editor Magaldi. "Mesmo nos períodos políticos mais intensos do país, como nos anos de 1960 e 1970, a revista manteve-se politicamente neutra, sem defender um lado nem outro", garante Magaldi, que, tal qual seu companheiro de trabalho, é um apaixonado pela revista na qual trabalha.

Notícias de 100 anos atrás

"Somos leitores da Revista Marítima desde que entramos na Marinha, como aspirantes", diz o editor Marcello, que mantém a mesma fórmula editorial até hoje.

Cada edição tem entre 15 e 20 artigos, assinados por colaboradores militares ou não, e diversas seções, entre elas uma bem curiosa, chamada "Aconteceu há 100 anos", que reproduz notícias que a própria revista publicou, um século atrás. "Poucas publicações no mundo têm o privilégio de poder fazer isso", diz o capitão.

Atualmente, a Revista Marítima Brasileira possui 7.000 assinantes e é distribuída, gratuitamente, para universidades e bibliotecas públicas de municípios com mais de 90 mil habitantes. Frequentemente, seu conteúdo é usado como material de estudo por aspirantes da Marinha e para provas internas nos cursos da entidade.

"A revista tem, também, uma função educativa e, por isso, é tão procurada e consultada até hoje", diz o editor, que no momento está trabalhando numa verdadeira revolução na história da publicação: "Disponibilizaremos todo o nosso conteúdo de quase 2.000 edições na internet, para quem quiser consultá-lo de graça", avisa. A novidade entrará no ar em julho.

Nas páginas das primeiras edições, vendidas a cinco réis, em dinheiro da época, temas hoje históricos, como a Batalha do Riachuelo e a Guerra do Paraguai, foram tratados como simples matérias, uma vez que a revista já existia quando aconteceram os dois conflitos.

Também episódios envolvendo a participação da Marinha Brasileira na Primeira e Segunda Guerra Mundial, como o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães, igualmente rechearam edições da revista, no instante em que aconteceram. Quando a Revista Marítima Brasileira começou, a própria Marinha do Brasil era recém-criada, já que existia há menos de três décadas.

"Não somos uma revista que trata da História da nossa corporação", diz, orgulhoso, o capitão-editor Marcello. "Somos a própria História, que continua sendo registrada. E isso, nenhuma outra Marinha no mundo tem".

Fotos: Jorge de Souza

 

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.