Nos anos 70, um "Big Brother" aconteceu no mar. E um filme mostrará isso
Em maio de 1973, uma pequena balsa partiu do Porto da Luz, nas Ilhas Canárias, rumo à costa do México, do outro lado do Atlântico, levando 11 pessoas a bordo – cinco homens e seis mulheres, que, até então, não se conheciam.
Mas o objetivo daquela viagem não era propriamente a travessia do oceano e sim a análise de como aquelas pessoas, todas estranhas entre si, se comportariam durante tanto tempo isoladas no meio do mar, dentro de uma pequena balsa, dividindo espaços e convivendo intimamente dia e noite, sem poder sair dali.
Batizada de Experimento Acali, a experiência, um estudo prático sobre o comportamento humano concebido pelo antropólogo mexicano Santiago Genovés, que foi junto na viagem, virou o filme "A Balsa", que agora está em vias de ser lançado no Brasil (ainda sem data definida), depois de ter sido apresentado na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro do ano passado.
O filme é misto de documentário (com imagens da época, gravadas pelo próprio Santiago ao longo dos 101 dias que o grupo ficou isolado no mar) com entrevistas dos participantes ainda vivos daquela polêmica experiência, que foi uma espécie de precursora dos realities shows e inspiração para a criação do "Big Brother".
"O objetivo da viagem é ser um laboratório do comportamento humano", explicou, na época, o antropólago mexicano.
No entanto, ele acabaria sendo acusado de extrapolar limites para conseguir o seu objetivo — a começar por exacerbar a questão sexual , o que rendeu ao experimento o jocoso apelido de "Balsa do Sexo".
Os participantes, escolhidos pelo próprio Santiago, tinham diferentes culturas, religiões e nacionalidades, mas todos com idades entre 20 e 40 anos, corpos razoavelmente atraentes e boa parte deles era casados, embora fosse proibido a presença de cônjuges a bordo — o que, desde o princípio, deixou claro as fortes conotações sexuais do projeto.
5 homens e 6 mulheres
O grupo era composto por uma capitã sueca (a única do grupo com experiência anterior em barcos), uma médica israelense, um fotógrafo japonês, um restaurador grego, um antropólago uruguaio discípulo de Santiago, uma francesa vaidosa, duas jovens americanas, uma mulher árabe e até um padre católico negro de Angola – além do próprio Santiago, que dizia ter tido a ideia da experiência após ter sido mantido confinado, com outros passageiros, durante dias a fio num avião sequestrado, no México.
O objetivo do antropólogo era fomentar a discórdia entre os participantes, a ponto de fazê-las odiarem umas às outras, e incitar o sexo matrimonialmente condenado.
Para estimular isso, ele mandou construir apenas uma cabine na balsa, ordenou que todos os tripulantes dormissem juntos, intercalou homens e mulheres numa grande cama coletiva, e determinou que o único banheiro a bordo fosse aberto, de forma que não houvesse nenhuma privacidade – todos teriam que fazer suas necessidades diante dos demais, fossem homens ou mulheres.
Também conduzia frequentes "Jogos da Verdade", nos quais os tripulantes eram obrigados a dizer o que pensavam uns dos outros diante de todos, inclusive sobre com quais gostariam de fazer sexo.
Para fomentar o machismo, Santiago também designou apenas mulheres para as principais funções a bordo, a começar por delegar o comando da balsa à sueca Maria Bjornstam, deixando para os homens apenas as atividades banais, como lavar louça e limpar o barco.
Mas o que Santiago não contava é que ele próprio acabaria se transformando vítima disso.
Vítima do próprio experimento
Em certa ocasião, ao contestar a decisão da comandante que queria aguardar o fim da temporada de furacões no Caribe para prosseguir viagem, Santiago a destituiu do cargo e assumiu o comando da balsa.
Mas logo teve que voltar atrás, quando, no momento mais tenso da viagem, a balsa do grupo por muito pouco não foi atropelada por um navio – o que só não aconteceu porque a sueca demitida manteve a calma e instruiu a equipe para acender tochas de fogo que chamassem a atenção do cargueiro para a presença deles no mar.
O navio desviou a tempo. Mas Santiago teve uma crise nervosa, que comprometeu sua liderança no grupo. Além disso, ele passou a ficar deprimido ao saber das críticas que sua experiência vinha sofrendo na Europa, por conta das notícias sensacionalistas sobre sexo livre, que os jornais vinham publicando.
As conclusões da experiência
Apesar do ambiente mais que propício aos conflitos, ao final da viagem, que durou mais de três meses, a conclusão foi que prevaleceu a tolerância e a boa convivência entre os participantes da experiência.
E apesar das seguidas tentativas de incitação ao sexo (envolvendo, inclusive, o padre angolano), nenhuma orgia foi registrada durante a travessia, embora tenha havido casos esporádicos entre os tripulantes – que, no entanto, ao fim do experimento, retomaram normalmente suas vidas de casados.
A experiência gerou um livro escrito por Santiago e, agora, também um filme, dirigido pelo sueco Marcus Lindeen, que ainda não tem data prevista para estrear no Brasil.
Santiago Genovés morreu seis anos atrás, durante a fase de roteirização do filme, ainda festejado como um dos mais ativos pesquisadores do comportamento humano, apesar dos escorregões na experiência com a balsa.
Mas, para os espectadores de televisão no mundo inteiro, seu maior feito foi ter, indiretamente, inventado o primeiro "Big Brother" da história.
Imagens: Divulgação The Raft
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.