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Histórias do Mar

Argentinos preparam novo protesto pelo submarino desaparecido há 11 meses

Jorge de Souza

14/10/2018 04h00

Submarino argentino desaparecido há 11 meses

Amanhã, segunda-feira, dia 15, quando o desaparecimento do submarino argentino ARA San Juan completará 11 meses, acontecerá, em Buenos Aires, mais uma manifestação promovida pelos familiares dos 44 tripulantes mortos naquele trágico e até hoje não totalmente explicado episódio.

O grupo promoverá uma marcha de protesto entre o prédio do Congresso e a Casa Rosada, sede do governo argentino, cobrando "Verdade e Justiça", para a qual estão sendo convocados "todos os argentinos", como informa o aviso da passeata, feito através das redes sociais.

O objetivo é aumentar ainda mais a pressão contra as autoridades, para que todos os fatos que envolvem o desaparecimento do submarino venham a público.

Até aqui, nem tudo foi divulgado. Novos detalhes seguem surgindo, na medida em que os envolvidos prestam esclarecimentos a comissão criada no Congresso para investigar o caso.

Os mais recentes depoimentos revelaram, entre outras coisas, que o submarino já havia apresentado problemas de entrada de água pelo sistema de ventilação na sua viagem anterior, mesmo defeito relatado pelo comandante Pedro Martín Fernández, na última comunicação do submarino com a base, dois dias antes de sumir para sempre, o que demonstraria negligência na manutenção do ARA San Juan.

Também revelou que o operador de rádio que detectou três tentativas posteriores de contato do submarino, feitas no mesmo dia em que ele desapareceu, foi instruído a não divulgar esta informação na ocasião da tragédia.

No entanto, a revelação mais surpreendente até aqui foi a de que, talvez, o submarino não estivesse apenas em missão de patrulhamento de barcos pesqueiros no sul da Argentina, como divulgado na época – mas sim, também, monitorando a movimentação de navios ingleses nas proximidades da Ilhas Malvinas, o que seria ilegal, já que o mar em torno daquelas ilhas pertencem a Inglaterra.

A informação de que o submarino teria sido instruído a passar perto das Ilhas Malvinas (hoje Ilhas Falklands), no caminho de volta entre Usuhaia e a sua base em Mar del Plata, foi dada pelo Chefe de Gabinete do Congresso, Marcos Peña, mas desmentida pela Armada Argentina.

Já o ex-diretor de Inteligência da própria Armada, Esteban Zembo, confirmou perante o Congresso que entre os 44 tripulantes do submarino, incluindo a única submarinista da América do Sul, Eliana Krawczyk, havia, também, um integrante da sua equipe, cuja função era "identificar embarcações estrangeiras que estivessem operando em águas argentinas e, também, nas imediações das Malvinas", o que teria levado o submarino a se aproximar indevidamente das ilhas que levaram Argentina e Inglaterra à guerra, em 1982.

Mas não existe nenhuma possibilidade de ele ter sumido por conta disso, porque aconteceram comunicações posteriores, quando o submarino já estava no caminho de volta à sua base, em Mar del Plata. Mas ali jamais chegou. O último sinal da embarcação aconteceu em 15 de novembro do ano passado, quando o ARA San Juan navegava a cerca de 430 quilômetros da costa argentina.

Paralelamente a esta investigação no Congresso, há outra, que apura suspeitas de subornos e irregularidades tanto na última grande revisão do submarino, feita em 2014, quanto na sua manutenção periódica. Recentemente, um executivo alemão admitiu ter pagado propina para virar fornecedor de novas baterias ao submarino desaparecido, mas isso a Armada Argentina também nega. Mas a explicação mais plausível para o que aconteceu com o submarino tem a ver justamente com as baterias, único meio de propulsão desse tipo de embarcação.

Ao fazer aquele que seria o seu último contato com terra firme, o comandante Fernández, reportou que estava tendo "problemas com as baterias", causado pela "entrada de água que gerara um curto-circuito". Mas, segundo a Armada, logo em seguida ele teria contornado o problema e seguido viagem.

O mais provável é que o contato das baterias com a água tenha gerado gases, que causaram a explosão fulminante do submarino. No mesmo dia, sensores de abalos submarinos instalados nas distantes ilhas Ascenção e Crozet detectaram uma oscilação nas águas do Atlântico Sul que bem poderia ter sido causada por uma explosão. Possivelmente, a do submarino argentino.

Segundo cientistas americanos, uma explosão desse tipo leva apenas quatro milésimos de segundo para acontecer, o que teria causado a morte instantânea dos tripulantes. Mas, na ocasião, a Armada Argentina também sonegou a informação de entrada de água no submarino aos familiares das vítimas, por vários dias. O mais provável é que tenha feito isso por temer as críticas que imediatamente viriam, assim que o episódio fosse relacionado com a precária manutenção que os barcos da corporação vinham recebendo, por falta de verbas do governo de Cristina Kirchner.

Também por conta da explosão, o submarino pode ter sido desfeito em pedaços, o que explicaria a dificuldade em encontrá-lo no fundo do mar, missão que, neste momento, está a cargo da empresa americana Ocean Infinity.

Dona de um navio especializado em buscas submarinas, o Seabed Construtor (um dos que tentou, em vão, localizar os restos do avião da Malaysia Airlines, desaparecido no Oceano Índico, em março de 2014), a Ocean Infinity aceitou um contrato de risco oferecido pelo governo argentino no valor 7,5 milhões de dólares, que só serão pagos se o submarino for encontrado.

Iniciada no mês passado, a missão, que tem prazo de 120 dias para terminar, até agora não trouxe nenhum resultado, embora já tenha vasculhado uma gigantesca área.

Como pode, após quase um ano, um submarino de 65 metros de comprimento não ser localizado, em plena era da tecnologia? A resposta está na imensidão do oceano e, talvez, na ineficácia das autoridades. E é contra isso que a passeata da próxima segunda-feira em Buenos Aires vai protestar. "Queremos a verdade de uma vez por todos", dizem os organizadores da manifestação, todos parentes das vítimas.

O receio dos familiares dos 44 militares mortos na tragédia é que o destino do caso ARA San Juan seja o mesmo que teve, recentemente, outro barco argentino: o pequeno veleiro Tunante, que desapareceu com quatro tripulantes e jamais foi encontrado – também uma dramática história, que pode ser conferida clicando aqui.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.