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Histórias do Mar

Salvo do fim? Navio que seria afundado pode virar Patrimônio Histórico

Jorge de Souza

29/09/2018 09h04

A novela que envolve o destino do ex-navio de pesquisas do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, Professor W. Besnard, uma espécie de símbolo da antiga presença brasileira na Antártica, para onde viajou algumas vezes, levando e trazendo pesquisadores, acaba de ganhar mais um capítulo. E que deve alterar completamente o final da história do famoso navio.

Recentemente, o Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, acatou pedido da ONG Instituto Mar e iniciou estudos para o tombamento do navio como patrimônio histórico, o que impede que ele seja afundado para virar atração para mergulhadores em Ilhabela, como estava previsto.

A decisão do Condephaat representou uma vitória para os que defendiam que o navio virasse uma espécie de museu, dada à relevância que ele teve nas pesquisas oceânicas brasileiras – e, sobretudo, na missão brasileira na Antártica. Mas, por outro lado, criou uma situação de difícil solução.

Como o navio já havia sido doado pelo Instituto Oceanográfico à Prefeitura de Ilhabela, para virar atração submarina no fundo do mar da ilha, gerando, segundo o secretário de turismo e desenvolvimento do munícipio, Ricardo Fazzini, despesas de 50 mil reais por mês no porto de Santos, onde ele está atracado desde que foi desativado, a questão é quem irá assumir esta conta daqui em diante. "Continuará sendo a Prefeitura, que, legalmente, hoje é a dona do navio", diz o advogado Fernando Liberalli, presidente do Instituto Mar, que há mais de um ano tenta evitar que o navio seja afundado.

"A menos que a Prefeitura de Ilhabela faça a doação do navio ao Instituto, porque nós temos condições de tirá-lo rapidamente do porto e levá-lo para reparos e restauração, pondo assim um fim nas despesas portuárias e ainda evitando que ele desapareça para sempre", acrescenta, Liberalli, que se diz totalmente "apegado" ao navio.

Mas a Prefeitura da ilha não concorda com isso. "E quem irá ressarcir ao município os quase dois milhões de reais que já gastamos com a manutenção do navio no porto de Santos?", questiona o secretário Fazzini.

E o pior é que há outra pendenga, ainda mais complicada. Há meses, o Ibama vem exigindo que o navio seja retirado do porto santista, já que, segundo o órgão, devido ao deterioramento do casco, ele corre o risco de afundar ali mesmo, o que geraria um problema ambiental.

Mas, agora, com a decisão do Condephaat de iniciar os estudos para o tombamento do navio como Patrimônio Histórico, ele não mais poderá ser preparado para um naufrágio programado, portanto sem danos ambientais, como era o projeto da Prefeitura da ilha. E seu futuro imediato é incerto.

"Como não podemos mais afundar o navio, nem temos para onde levá-lo, porque Ilhabela não tem porto, o Professor W. Besnard vai acabar apodrecendo e afundando ali mesmo onde está, e de maneira inadequada e indigna", lamenta Fazzini. "No fundo do mar, sendo visitado por mergulhadores, ele continuaria a existir. Mas, se afundar no porto, virará sucata, como, aliás, o Instituto Oceanográfico pretendia fazer, quando tomamos a iniciativa de pedir a doação do navio para a ilha", explica Fazzini, que acusa o Instituto Mar de ter recorrido ao Condephaat como uma manobra para se apoderar do navio, e sem arcar com as despesas da manutenção dele no porto até hoje. Já Liberalli rebate alegando que tal despesa nunca existiu e que é apenas uma manobra financeira da Prefeitura.

Apesar da decisão do Condephaat, a história do carismático navio, que, 30 anos atrás, quase foi parar no fundo do mar de maneira acidental, durante uma pane mecânica que poderia ter terminado em tragédia no caminho para a Antártica (clique aqui para conhecer o pior momento da história do Professor W. Besnard), ainda não terminou e deve gerar intensos capítulos, até que venha, ou não, a virar Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo.

Mas, pelo menos por enquanto, é certo que ele não poderá ser afundado. Resta saber se o próprio navio resistirá até que esta longa novela acabe.

 

Fotos: Instituto Mar e Instituto Oceanográfico

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.