Será o fim do mistério do sumiço do capitão argentino?
Um corpo do sexo masculino, sem cabeça e faltando outras partes do corpo, em adiantado estado de putrefação, encontrado na noite da última sexta-feira (11) no mar da região de Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, pode ser o início (mas só o início…) da solução de um dos maiores enigmas recentes do mar brasileiro: o desaparecimento do experiente capitão argentino Erwin Rosenthal, de 83 anos, há pouco mais de um mês, depois de ter partido, sozinho, da Ilha Grande rumo ao Panamá, no comando de um grande veleiro de bandeira americana, o "Misteriosa"- cujo nome, ironicamente, soava como um prenúncio do que viraria aquele caso: um mistério, até agora, sem todas as respostas.
O argentino partiu da Ilha Grande nas primeiras horas da manhã do dia 7 de abril, mas seu barco foi encontrado na noite do dia seguinte, quase 40 horas depois, navegando em círculos, com o motor ligado e sem ninguém a bordo, a pouco mais de 50 quilômetros de distância – algo inexplicável para um percurso que, em circunstâncias normais, não consumiria mais do que cinco ou seis horas de viagem.
O que, em princípio, parecia ser um simples caso de queda acidental no mar, já que o velho navegador, de idade avançada, sempre viajava sozinho, logo foi descartado: dentro do veleiro havia um dispositivo montado com foguetes sinalizadores marítimos e um botijão de gás de cozinha para explodir o barco. Com isso, emergiu a teoria de que o comandante poderia ter planejado tudo aquilo, num típico caso de golpe contra a seguradora do barco. Quando o veleiro foi encontrado, haviam sumido o seu bote e os celulares, cartões de crédito, dinheiro e passaporte do comandante argentino – além dele próprio.
Mas a tese de fuga proposital do comandante começou a naufragar quando foi constatado que, além de não haver um motivo para ele sumir, o barco (que nem era dele) não tinha seguro. E, agora, caso fique comprovado que o corpo encontrado é realmente do capitão desaparecido, o que será checado através de exames de DNA nas próximas semanas, irá afundar de vez.
Com isso, restará apenas uma hipótese para o sumiço (ou morte) do comandante argentino: um ato de pirataria seguido de homicídio – tese defendida pela família do velejador desde o princípio. Quando o barco foi encontrado à deriva, o seu interior estava revirado e cheio de intrigantes pedacinhos de mato seco, desses que grudam nas solas dos calçados após uma caminhada na mata – algo inexplicável para um barco que estivesse navegando no mar.
Uma das hipóteses mais prováveis é que o veleiro do argentino tenha sido abordado por bandidos, que o renderam e desviaram o barco para algum ponto em terra firme. Ali, o "Misteriosa" teria sido "preparado" para explodir, mais tarde, no mar, ajudando assim a despistar o desaparecimento do seu único tripulante. Isso teria implicado na montagem de um engenhoso sistema de disparo remoto de dois foguetes sinalizadores marítimos através de cabos que seriam acionados pelo lado de fora do barco, junto a uma garrafinha de álcool e um botijão cheio de gás na cabine, uma operação bem mais fácil de executada com o barco parado em terra firme do que balançando durante a navegação no mar. Mas que tipo de bandido se daria a esse trabalho? Se o objetivo fosse apenas dar fim ao barco, não teria sido bem mais fácil simplesmente afundá-lo?
Este raciocínio conduz a uma das poucas certezas neste caso: quem quer que tenha montado aquele aparato explosivo no barco tinha algum conhecimento náutico. A começar pelo próprio uso de foguetes sinalizadores marítimos como detonadores de uma explosão remota. Que, por fim, não aconteceu. E, também aqui, vem outra dúvida: por que o barco não explodiu, se estava tudo pronto para isso? "Nunca vi um caso assim aqui", admite o delegado encarregado das investigações em Angra dos Reis, Bruno Gilaberte.
Para tornar esta história ainda mais intrigante, a última pessoa a estar com o comandante, e que garante que o viu partir da Ilha Grande na manhã do dia 7 de abril, o navegador austríaco Johann Pauer, diz que, minutos depois de o argentino zarpar, outro barco, um até hoje não identificado catamarã que havia chegado àquela enseada apenas na noite anterior, partiu também. E, em princípio, na mesma direção.
Se houve alguma relação direta entre a partida quase simultânea dos dois barcos, não se sabe. Até porque o suposto catamarã jamais foi identificado, nem sequer teve sua existência confirmada pelas autoridades, que tampouco se empenharam em localizá-lo. "Quem garante se alguém que sabia que o meu marido sempre navegava sozinho, portanto, era uma presa fácil, e que estava indo para o Caribe com um grande barco com bandeira americana não tenha deduzido que o veleiro estava cheio de dólares e coisas valiosas?", questiona a mulher do comandante, a argentina Monica Depaolini.
Mas contra a tese de simples roubo pesa o fato de que, estranhamente, os dois computadores portáteis que havia no barco, nos quais o comandante sempre registrava as rotas que fazia, não foram levados pelos supostos bandidos – algo também inexplicável em se tratando de um assalto. E, mais inexplicável ainda era que a última rota registrada naqueles computadores era a da chegada do barco a Ilha Grande, mais de uma semana antes.
Por que o zeloso capitão, que registrava até mínimos percursos, não teria traçado a longa rota que faria até o Panamá? Ou será que a nova rota foi propositalmente apagada por quem invadiu o barco (a mesma pessoa com supostos conhecimentos náuticos) para não deixar rastros de por onde o barco passara, após sair da Ilha Grande? "É tudo muito estranho neste caso", resume o delegado Bruno, que segue investigando o misterioso sumiço do capitão argentino. Seu corpo pode até ter aparecido. Mas nem isso explica tudo.
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