Maior mistério do Cemitério do Atlântico completa 100 anos sem respostas
US COAST GUARD
Esta semana marca os 100 anos de um mistério jamais explicado: o desaparecimento de toda a tripulação do barco americano Carroll A. Deering, encontrado encalhado e sem ninguém a bordo nos primeiros dias de fevereiro de 1921, numa parte particularmente famosa do litoral da Carolina do Norte, conhecida como Outer Banks.
O barco, de 70 metros de comprimento e cinco mastros, estava em perfeito estado (inclusive com as velas içadas), quando foi abordado por uma equipe de resgate, que só encontrou a bordo três gatos – e nenhum sinal dos seus dez ocupantes.
Jamais se soube o que aconteceu com eles, nem o que levou aquele barco a encalhar em um local que todos os marinheiros da região conheciam muito bem.
Desde então, o desaparecimento dos ocupantes do Carroll A. Deering, que ficou conhecido como o "Navio Fantasma de Outer Banks", se tornou um dos mais discutidos e investigados enigmas marítimos dos Estados Unidos — sem que, até hoje, ninguém saiba o que de fato aconteceu, exatos 100 anos atrás.
Mau presságio do capitão
O Carroll A. Deering — assim batizado em homenagem ao filho do dono da empresa que o havia mandado construir — era uma escuna cargueira, um tipo de barco a vela muito utilizado na época para o transporte de carga em geral.
Em agosto de 1920, sob o comando do experiente capitão William Merritt (um herói da Primeira Guerra Mundial condecorado por bravura), o Carroll A. Deering partiu do porto de Norfolk, na Virginia, para uma viagem entre os Estados Unidos e o Brasil. Este levava um carregamento de carvão para o Rio de Janeiro, com dez pessoas a bordo – a maioria marinheiros escandinavos, que haviam sido contratados para aquela viagem.
A travessia começou tranquila, mas logo teve que ser interrompida.
Quando ainda navegava em águas americanas, o capitão Merritt não se sentiu bem e precisou ser substituído por outro comandante, o seu amigo Willis Wormell, a quem confidenciou que não havia simpatizado com a nova tripulação.
Vinha para o Rio de Janeiro
Para auxiliar o novo capitão, de 66 anos, foi também designado um novo e jovem primeiro ajudante, o americano Charles McLellan, que acabaria se revelando um sujeito ainda mais antipático que os marinheiros escandinavos.
Mesmo assim, a longa viagem até o Rio de Janeiro, onde o barco chegou em 9 de setembro de 1920, transcorreu sem nenhum incidente.
E logo o Carroll A. Deering tomou o rumo de volta aos Estados Unidos, sem carga alguma nos seus porões.
Tramando um motim
No início de dezembro, o barco fez uma parada na ilha de Barbados, no Caribe, para repor suprimentos e dar alguns dias de folga a tripulação – sobretudo ao primeiro ajudante McLellan, que vinha reclamando bastante durante a travessia, sobretudo a respeito do próprio capitão Wormell para os demais marinheiros.
Após ser detido pela polícia por bebedeira (algo impossível de ser feito nos Estados Unidos na época, por conta da Lei Seca, que proibia a venda de bebidas alcoólicas no país inteiro), McLellan, novamente bêbado, fez severas críticas sobre o capitão Wormell ao comandante de outra escuna americana que estava parada no porto.
E chegou a dizer que "assumiria o comando do barco, antes que eles chegassem aos Estados Unidos", numa explícita confissão de intenção de promover um motim a bordo — algo não tão raro assim naquela época, mas já considerado crime abominável.
Apesar de todos os indícios de mau-caratismo, o capitão do Carroll A. Deering manteve o seu primeiro ajudante no posto e seguiu viagem, rumo ao Estados Unidos – onde, ao que tudo indica, jamais chegou.
Já o seu barco, sim.
Último contato
Em 28 de janeiro de 1921, durante uma tempestade, o Carroll A. Deering foi visto passando próximo a um farol que sinalizava o Cabo Lookout, já na costa da Carolina do Norte, e foi saudado pelo operador da estação — que recebeu como resposta, através de uma espécie de megafone, a informação de que a escuna havia perdido as duas âncoras na tormenta e pedia que isso fosse informado a empresa dona do barco.
Mas o operador estranhou um detalhe: aquela informação não fora dada pelo capitão do barco, como de praxe, e sim por um dos marinheiros, com forte sotaque estrangeiro.
Foi a última vez que o Carroll A. Deering foi visto navegando.
No dia seguinte, o barco apareceu encalhado em um banco de areia bastante conhecido na região, apelidado de "Cemitério do Atlântico", tal a quantidade de naufrágios que ali já haviam ocorrido, sem ninguém a bordo.
O que aconteceu? Jamais houve uma resposta.
Por que o barco foi abandonado?
Desde o início, no entanto, ficou claro que o Carroll A. Deering havia sido abandonado pelos seus tripulantes.
Mas nunca se soube o motivo, nem se isso ocorreu com o sem o seu comandante — possivelmente sem, a julgar pelo comentário que o primeiro ajudante havia feito naquela escala em Barbados.
Ao abordar o barco, quatro dias depois, a equipe de resgate constatou que, além da ausência das duas âncoras, uma parte do timão estava quebrada, o leme havia soltado e uma escada feita de cordas, usada para embarques e desembarques no mar, pendia para o lado de fora do casco — sinal evidente de que pelo menos parte da tripulação havia deixado o barco.
Também haviam desaparecido alguns equipamentos de navegação, o livro de bordo (onde eram feitos todos os registros e ocorrências), todos os pertences da tripulação e, mais evidente ainda sobre o abandono da embarcação, os dois botes que o Carroll A. Deering possuía.
De ser vivo a bordo do barco, só havia três gatos – que foram adotados por um dos membros da equipe de resgate.
Começava o mistério
A equipe de resgate também tentou desencalhar a escuna.
Mas, como isso não foi possível, dada as dimensões do barco, acabaram decidindo explodi-lo, para não comprometer a navegação na região.
Acabava assim a curta carreira no mar da escuna Carroll A. Deering, que tinha menos de dois anos de uso.
Começava um mistério que dura até hoje, um século depois. E que jamais terá uma explicação.
Até o FBI investigou
Na época, uma investigação conduzida por cinco órgãos do governo americano, inclusive o FBI, passou um ano inteiro analisando o caso, mas não chegou a conclusão alguma — exceto que acreditava ter havido de fato um motim a bordo.
Mas que fim teriam levado também os amotinados, já que o comandante certamente teria sido morto e atirado ao mar por eles?
De lá para cá, diversas teorias (algumas estapafúrdias, como o sequestro da tripulação por bolchevistas russos, ou vítimas dos folclóricos fenômenos sobrenaturais do chamado Triangulo das Bermudas — mesmo estando fora dele…) tentaram explicar o sumiço da tripulação do Carroll A. Deering.
O que pode ter acontecido?
Uma das teorias pregava que eles teriam sido atacados por piratas, embora não houvesse nenhum registro de ato de pirataria na região, nem carga que pudesse ser roubada da escuna.
Outra tese defendia que uma tempestade teria atingido o barco e comprometido a sua capacidade de navegar (o que explicaria a perda das duas âncoras, o leme solto e o timão parcialmente quebrado), levando os seus tripulantes a abandoná-lo, com os botes de apoio. Mas estes também teriam virado na tormenta e todos morreram afogados.
Nenhum vestígio das vítimas nem dos botes foram achados no mar ou nas praias da região, nos dias subsequentes.
E, se a escuna estava com problemas de navegabilidade, por que o tal marinheiro que trocou mensagens com o faroleiro não mencionou isso, citando apenas a perda das âncoras, um fato bem menos relevante?
Garrafa com uma mensagem
Para complicar ainda mais as coisas — e confundir ainda mais as investigações –, dois meses depois, um morador da região alegou ter encontrado na praia uma mensagem dentro de uma garrafa, que ele dizia ter sido escrita por um dos tripulantes do Carroll A. Deering. Ela dizia que eles haviam sido "atacados", mas não dava maiores detalhes.
Nem poderia. Porque era mentira.
Dias depois, ao ser interrogado pela polícia, o sujeito confessou que havia inventado o tal bilhete, para, com a visibilidade gerada pelo "achado", tentar conseguir um emprego nos faróis da região.
A tese que prevaleceu
No final, a tese de um motim a bordo, comandado pelo rebelde primeiro ajudante Charles McLellan, prevaleceu e passou a ser aceita como "a mais plausível" explicação para o caso — os amotinados teriam matado o comandante Wormell e fugido nos botes, mas acabaram tragados pela tempestade e morreram também.
Ou teriam sobrevivido a tormenta e sido resgatados pelo navio americano Hewitt, que navegava na região, mas que afundou em seguida, sem deixar nenhum sobrevivente.
Mas, por que o primeiro ajudante do capitão teria feito tudo aquilo?
Verdadeiro motivo?
O verdadeiro motivo do motim seria algumas caixas, que McLellan, secretamente, teria embarcado em Barbados, antes de o Carroll A. Deering partir para os Estados Unidos.
Elas conteriam garrafas de rum, a principal bebida da ilha, que, na época da Lei Seca, valiam autênticas fortunas no mercado negro americano.
Na falta de evidências contrárias, esta passou a ser a explicação mais razoável para o mistério em torno do Carroll A. Deering.
E, se não foi assim, bem poderia ter sido.
Caso ainda mais misterioso
Embora intrigante até hoje, o mistério do desaparecimento da tripulação do Carroll A. Deering não é o maior enigma do gênero na história marítima americana.
Bem mais famoso foi o caso da também escuna Mary Celeste, encontrada à deriva no meio do Atlântico igualmente sem nenhum dos seus dez tripulantes a bordo (incluindo a esposa e filha do comandante), quando levava uma carga de barris de álcool para a Itália, 50 anos antes, em dezembro de 1872.
O barco também fora encontrado em perfeito estado, mas sem o seu bote de apoio, o que, após inúmeras teorias, nenhuma delas jamais comprovadas, levou os investigadores a acreditar que o desaparecimento dos ocupantes do Mary Celeste pode ter sido consequência de um simples detalhe — clique aqui para conhecer esta intrigante história, que, tal qual o caso do Carroll A. Deering, também jamais teve uma explicação.
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