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Histórias do Mar

Aquário de Miami reabre sob protestos por orca presa num tanque há 50 anos

Jorge de Souza

07/11/2020 04h00

Fotos: Divulgação Peta

Com cartazes de protestos e muita indignação, membros da ONG Peta – Pessoas a Favor do Tratamento Ético dos Animais, fizeram nesta sexta (6) uma nova manifestação na porta do Miami Seaquarium, durante a reabertura do famoso parque marinho, que estava fechado há seis meses por conta da pandemia.

Mas o motivo da manifestação foi o mesmo de sempre: protestar contra manutenção da orca Lolita no acanhado tanque onde ela vive. Principal atração do parque, o animal é usado em espetáculos.

A ONG pede que ela seja transferida para um santuário marinho, já que sua devolução ao mar não é mais tecnicamente viável, uma vez que Lolita vive presa há exatos 50 anos.

Sem espaço para nadar

Desde que foi capturada ainda filhote, em 1970, no mar que banha o estreito de Puget Sound (divisa dos Estados Unidos com o Canadá), e vendida a cerca do que equivaleria R$ 120 000 hoje, Lolita vive confinada em um tanque com pouco mais de duas vezes o seu tamanho (seis metros de comprimento), sem espaço para nadar ou mergulhar, como fazem os seres da sua espécie.

Hoje, ela habita o menor e mais antigo tanque de orcas do mundo – menor até do que determina o padrão criado pelas autoridades americanas.

Além disso, ela vive na companhia de apenas dois golfinhos, desde que a outra orca que habitava o mesmo tanque – Hugo -, morreu. Há 40 anos atrás, o macho foi vítima de aneurisma cerebral, depois de ter passado anos batendo compulsivamente a cabeça contra as paredes do reservatório, em um comportamento que demonstrava sério desequilíbrio mental.

50 anos nadando em círculos

De tempos para cá, para desespero ainda maior dos ambientalistas, Lolita também tem mostrado sinais de comportamento anormal repetitivo. Avalia-se que pode ser sinal de profundo estresse, já que, há cinco décadas, passa todos os dias nadando em círculos ou boiando apaticamente na superfície. Isso quando não é obrigada a participar de shows e espetáculos para o público, que, em tempos normais, acontecem três vezes ao dia.

"Já está mais do que na hora de o Seaquarium parar com a asquerosa tortura de Lolita, que já dura meio século", revolta-se Tracy Reiman, vice-presidente executiva da Peta. "As pessoas deviam se recusar a visitar esse tipo de lugar".

"Ela não pode mergulhar mais fundo do que o seu próprio tamanho, porque o tanque é raso, nem nadar em linha reta por mais que alguns segundos, e não tem contato com outro da sua espécie há 40 anos. A humanidade já sabe o suficiente sobre estes inteligentíssimos animais para permitir que Lolita continue sofrendo pavorosamente em nome do simples entretenimento", revolta-se a líder do movimento.

Até hoje, no entanto, os protestos foram em vão.

O que diz o parque

Foto: Divulgação Miami Seaquarium

"Lolita está em boas condições físicas, mas não pode mais ser solta, porque não sobreviveria na natureza selvagem", alega o Seaquarium, que se recusa a interromper os espetáculos e atender os pedidos dos ambientalistas para que o animal seja transferido.

A transferência da orca condenada a viver confinada para um santuário de animais marinhos, local bem maior, sem visitações turísticas e muito mais adequado para animais que não podem mais ser soltos na natureza, como é o caso de Lolita, é uma velha reivindicação dos manifestantes.

A família da orca ainda existe

Por estar confinada, isolada e condicionada a ficar fazendo gracinhas para as pessoas dentro de um tanque por tanto tempo, a readaptação de Lolita ao ambiente marinho é vista como impossível.  Ela não teria habilidade para capturar o seu próprio alimento e se tornaria presa fácil para os predadores, como os tubarões – embora o grupo familiar ao qual ela pertence, e do qual foi extraída, ainda exista e frequente as mesmas águas onde a captura do animal aconteceu, meio século atrás.

Há evidências de que a própria mãe de Lolita ainda estaria viva, já que as orcas, além de serem animais com estreitos laços sociais, podem passar dos 90 anos de idade.

Tempos atrás, membros da etnia indígena americana Lummi, que habita a região onde aconteceu a captura de Lolita no mar, também promoveram protestos diante do aquário de Miami, pedindo a soltura do animal. Mas, igualmente, em vão.

Até hoje, nada sensibilizou o grupo dono do Miami Seaquarium, a empresa espanhola Parques Reunidos, que tampouco retornou contatos sobre o futuro da orca.

Finalmente uma esperança

Mas, agora, surgiu uma esperança.

Dois meses atrás, o governo da França decidiu proibir a manutenção de cetáceos, como orcas e golfinhos, em parques marinhos, obrigando que os animais sejam levados para santuários.

Como um dos parques afetados pela medida será o Marineland (em Antibes, na França), que pertence à mesma empresa Parques Reunidos, a esperança dos ativistas é que, através de pressões como a de ontem, eles consigam convencer os executivos da companhia espanhola a fazerem o mesmo com Lolita.

Abandonada no furacão

Mesmo assim – e apesar das orcas fazerem parte da lista de animais protegidos pela lei americana -, tempos atrás, o tribunal federal de apelações dos Estados Unidos negou a acusação de que o Seaquarium estivesse violando a Lei de Espécies Ameaçadas de Extinção, o que foi um balde de água fria nos defensores do animal.

Imagem: Orca Network

Lolita continuou privada do direito de nadar e mergulhar mais além do que quatro paredes permitem e de se relacionar com outros seres da sua espécie – além de não ter proteção alguma contra o sol escaldante e as inclemências do clima na Florida.

Dois anos atrás, quando o furacão Irma quase devastou Miami, o Seaquarium foi fechado às pressas e Lolita ficou abandonada a própria sorte, sem nenhuma proteção ou abrigo contra as violentas tempestades. Algo que, na natureza, as orcas sabem como lidar, escapando para outros locais. Mas Lolita não tem como fazer isso.

"Ela vive em lockdown há 50 anos", dizia, sarcasticamente, um dos cartazes dos manifestantes de ontem.

Nem baleia, nem assassina

Mais conhecidas como "baleias assassinas" – embora sejam parentes dos golfinhos, não das baleias, e de sua agressividade se resumir aos momentos de captura de cardumes -, orcas são seres com uma inteligência muito acima da média animal, capazes de aprender com facilidade, o que levou diversos parques aquáticos a confiná-las e amestrá-las, como aconteceu com Lolita.

São, no entanto, seres marinhos selvagens, que na natureza costumam nadar grandes distâncias por dia, e não interagem com os homens tanto quanto os golfinhos – só mesmo nos parques marinhos, depois de amestrados à força.

Um raro caso positivo

Uma rara exceção a isso foi a estreita interação que o biólogo argentino Roberto Bubas criou com um grupo de orcas selvagens na Península Valdés, no sul da Argentina, onde ele trabalhava como guarda-parque da vida animal, até alguns anos atrás.

Foto: Juanjo Arregui

Munido de uma simples gaita, sempre que Bubas começava a soprar o instrumento na beira da praia, as orcas se aproximavam, quase sempre trazendo tufos de algas sobre a cabeça, para que o biólogo os arremessasse de volta ao mar, como quem brinca com uma bola (clique aqui para ler esta emocionante história).

Por conta disso, Bubas, que virou tema de documentário da National Geographic e até personagem do emocionante filme Farol das Orcas, passou a ter a rara oportunidade de estudar o comportamento das orcas em seu próprio habitat.

E não como animais presos em um tanque de aquário, como no caso da infeliz Lolita.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.