Caravela de Colombo construída no Brasil parte para o Caribe. Navegando
Caso você esteja no litoral, não estranhe se vir passar no mar, nos próximos dias, uma caravela igualzinha à dos livros de História.
Muito provavelmente, será a cópia fiel de um barco realmente histórico: a nau Santa Maria, usada por Cristóvão Colombo para descobrir a América, em 1492. A réplica, construída em Santa Catarina, acaba de partir rumo ao Caribe. Navegando, como faziam as antigas caravelas.
Só que, apesar da aparência digna de filme de Hollywood, o barco em questão nada tem de antigo.
Ao contrário. Trata-se de um moderno pequeno navio equipado com o que existe de mais avançado em recursos de navegação, como radar, cartas náuticas eletrônicas, sistema de comunicação via satélite, dessalinizador capaz de transformar a água do mar em potável e, em vez de velas, dois motores a diesel.
O casco é de aço, mas, pintado, imita com perfeição a madeira das caravelas do passado.
Um mês de travessia
A curiosa embarcação – que tem 28 metros de comprimento, mais de 8 de largura e passa dos 18 de altura, com três (falsos) mastros e velas só de enfeite – foi construída em um estaleiro de Itajaí e finalizada em outro, no vizinho município de Navegantes, de onde partiu, na manhã deste sábado, rumo à ilha de Curaçau, no Caribe.
Lá, ela será usada em passeios turísticos e como restaurante flutuante, razão pela qual também possui uma cozinha com padrão industrial a bordo – além de ar-refrigerado central e até camarotes para os tripulantes.
A viagem deve durar entre 35 e 40 dias, subindo o litoral brasileiro, com paradas para reabastecimento em Ilhabela, Salvador e Fortaleza.
Fabricação em série de caravelas
A bordo seguem oito tripulantes, quatro deles brasileiros, a começar pelo comandante contratado para a viagem. Também estrá o dono do barco, o empresário argentino Miguel Pedro Sheppard, que vive no Caribe e decidiu criar uma espécie de companhia de navegação só com réplicas de galeões e caravelas para atuar em ilhas da região, como Curaçau, Aruba, República Dominicana e Saint Marteen. Todos eles construídos em Santa Catarina.
No total, serão dez réplicas que imitarão naus famosas, das quais a caravela de Colombo é apenas a primeira delas.
Uma réplica de R$ 18 milhões
Em janeiro, começa a construção de outras duas réplicas, que levarão cerca de um ano para ficar prontas – o que deve gerar cerca de 800 empregos diretos e indiretos na região.
Em seguida, virão outras cópias de barcos famosos, como o Pérola Negra, inventado pelo cinema para ser usado na série "Piratas do Caribe", e o lendário galeão A Vingança da Rainha Anne, do sanguinário (e real) pirata Barba Negra, que barbarizou o Caribe no passado – este, com custo estimado em mais de cinco milhões de dólares, dois a mais do que custou a Santa Maria.
A construção da caravela custou perto de R$ 18 milhões, metade disso gasto com logística e pesquisas históricas, para que ficasse exatamente fiel na aparência a nau com a qual Colombo tocou as Américas – mas com recursos de um barco atual.
Fiel até nos detalhes
"Levamos quatro anos pesquisando arquivos históricos, documentos antigos e maneiras de transformar uma nau do século 15 em um barco seguro, mas mantendo a mesma aparência do passado", diz o catarinense Jorge Hosang, diretor da empresa H.ace, de Itajaí, que cuidou da importação de componentes e da logística para a construção da exótica embarcação – que, para os intrigados moradores da cidade, sempre foi chamada de "Caravela do Cabral".
"Durante a pesquisa, houve muita confusão, porque até os próprios registros históricos eram contraditórios sobre detalhes do barco. Como o gurupés, uma espécie de mastro pontiagudo que fica na proa, que também aparecia em alguns desenhos das duas outras caravelas da frota de Colombo, a Pinta e a Niña, mas que só a Santa Maria tinha, porque isso identificava, justamente, a nau capitânia da flotilha. De tanto me envolver com o assunto, acabei tomando gosto pela pesquisa e me apaixonando pelo barco", diz, orgulhoso, Jorge Hosang.
Uma caravela moderna
"O maior desafio foi construir uma réplica esteticamente fiel, mas dentro dos critérios da moderna engenharia naval, o que não é uma adaptação fácil", diz o catarinense. "O barco ganhou um par de 'asas' submersas, que ficam escondidas, mas garantem estabilidade ao casco, já que isso sempre foi o ponto fraco das antigas naus", explica.
O objetivo foi evitar problemas como os que aconteceram com a réplica da caravela de Pedro Álvares Cabral construída na Bahia, 20 anos atrás, para as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. A Nau Capitânia, de tão instável, sequer conseguiu fazer a viagem festiva prevista e hoje se encontra permanentemente parada no Espaço Cultural da Marinha (Rio de Janeiro) sem condições de navegar.
Por mar é mais barato
Já a caravela catarinense de Colombo pretende ir longe. E por seus próprios meios.
A começar pela longa viagem inaugural que começou a fazer de Itajaí até o Caribe navegando – quando o habitual seria o seu transporte a bordo de um navio de carga.
"Ficaria muito mais caro e não permitiria avaliar o barco em uma navegação de verdade", explica Jorge. "A Santa Maria ocuparia tanto espaço no navio que o custo do frete seria inviável. E ainda precisaríamos construir um suporte gigantesco para apoiá-la, além de a operação de embarque e de desembarque ser bem complexa. Daí, colocamos tudo isso no papel e chegamos à conclusão que era mais simples e barato enviá-la pelo mar, navegando – o que, inclusive, é muito mais charmoso".
A saga do sino da descoberta
Assim sendo, quem estiver nas praias do litoral brasileiro nos próximos 30 dias pode ter a sorte de ver uma caravela passando no horizonte com todos os seus paramentos, inclusive brasões espanhóis decorando o casco (todos igualmente pesquisados) e até a réplica do lendário sino que teria sido usado por Colombo para anunciar a descoberta da América.
A peça cuja existência já rendeu muita polêmica, crises diplomáticas, cenas de filme de ação, e, até hoje, a suspeita de que tenha sido secretamente contrabandeada para os Estados Unidos e vendida – clique aqui para conhecer esta história – é tão interessante quanto a própria réplica do histórica nau feita em Santa Catarina, que, agora, segue para o Caribe, nostalgicamente navegando.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.