Brasileira larga tudo pela vida no mar e comanda barco no “Fim do Mundo"
Um dia, 24 anos atrás, quando já somava 32 anos de idade, a mineira Christina Amaral surtou.
Dona de um pequeno restaurante em Belo Horizonte, ela se deu conta de que se aproximava da metade da vida e que, se quisesse mudá-la, era preciso agir enquanto houvesse tempo para recomeçar do zero.
O objetivo era apenas ser feliz e fazer aquilo que lhe dava prazer. Ou seja, viajar.
Primeiro, Christina pensou em virar aeromoça, único jeito de viajar bastante sem ter dinheiro. Mas a baixa estatura (1,56 m) jogou contra.
Depois, tentou entrar para a Marinha, após experimentar o prazer de velejar pequenos barquinhos nas lagoas mineiras. Mas, naquela época, ainda havia restrições à mulheres em navios.
Foi quando Christina surtou de vez.
Fechou o restaurante, entregou o apartamento onde morava, comprou uma Vespa e saiu viajando pelo litoral brasileiro, em busca de um barquinho para comprar, que coubesse no seu orçamento.
O plano era morar no próprio barco e viajar com ele.
Christina rodou quase 11 mil quilômetros com a insólita Vespa, subiu toda a costa brasileira, até o Nordeste, mas achou o que buscava: um pequeno veleiro usado, de pouco mais de 6 metros de comprimento, sem motor nem banheiro, que passou a ser o seu novo lar – e no qual mora até hoje, mais de 20 anos depois.
Só que, desde o início deste ano, o endereço de Christina tem sido outro. E bem mais distante: o extremo sul da América do Sul, na Patagônia, região conhecida como Fim do Mundo – porque, depois dela, não há mais nada até o deserto gelado da Antártica.
Já avó, mas na ativa
Ali, em meio a paisagens deslumbrantes, mas banhadas por um dos mares mais violentos do planeta, Christina, que é capitã profissional e já respeitada por todos os marinheiros da região, divide o comando de um veleiro que tem o dobro do tamanho do seu com outro brasileiro, sócio no negócio que eles criaram: levar brasileiros, sobretudo mulheres, para navegar nas águas do Fim do Mundo.
"Achei o meu cantinho no mundo, aqui, no Fim do Mundo", brinca Christina, hoje com 56 anos, mãe de um filho de 38, avó de uma netinha de 1 ano, e com quatro casamentos no currículo – nenhum deles vigente no momento. "Porque os companheiros que tive não eram tão apaixonados pelo mar quanto eu", explica.
"A Terra do Fogo é linda e tem muitos lugares aonde o homem ainda não pôs as mãos", diz Christina. "Meu pedacinho favorito é Porto Toro, que é um povoado com apenas 23 moradores, todos em total entrosamento com a natureza. É onde eu gostaria de morar também. Mas…".
Na semana passada, após meses retida no barco dentro de uma marina da cidade de Ushuaia, na Argentina – por conta da pandemia, que fechou todos os portos e fronteiras da região –, Christina decidiu retornar provisoriamente ao Brasil, de avião, para aguardar aqui a hora de voltar para lá.
E já não vê a hora de isso acontecer.
Ensina mulheres a navegar
Desde que decidiu mudar radicalmente de vida, Christina, que também é chef de cozinha ("Cozinhar é algo do meu passado que eu ainda adoro, só que, agora, faço isso dentro do barco"), ganha a vida como capitã profissional, conduzindo barcos para onde seus proprietários quiserem, e dando cursos de vela, especialmente para mulheres, algo que ainda é uma quase novidade no Brasil.
"Ensinar mulheres a velejar é muito gratificante, porque remete ao meu passado, quando decidi tornar a navegação o meu ganha-pão, mesmo sendo um ambiente tradicionalmente masculino. Por isso, criei uma escola de vela só para mulheres e, tão logo acabe a pandemia, vou voltar a levar minhas alunas para navegar no Fim do Mundo, aonde a imensa maioria dos velejadores homens jamais pôs os pés", diz Christina, que também é uma das coautoras de um livro recém-lançado, escrito só por mulheres que gostam de barcos, o Mulheres Velejando pelo Mundo, que traz relatos de 14 brasileiras que, em comum, possuem uma enorme paixão pela navegação.
Vai para onde o vento levar
"Navegar é o que eu gosto de fazer, é como vivo e onde ganho o meu sustento", resume Christina, que nem de longe pensa em voltar a viver em terra firme – muito menos em Minas Gerais, que nem mar tem.
"Não sou de fazer planos e sempre prefiro ver para onde o vento vai me levar. Mas já aprendi que a vida de verdade só acontece quando a gente sai da nossa zona de conforto, que foi o que eu fiz, quando joguei tudo pro alto e sai de Belo Horizonte, em busca do mar.
E é nele que, hoje, Christina busca novas experiências, comandando um veleiro em um dos mares mais difíceis do planeta: o que banha o Cabo Horn, ponto extremo do continente sul-americano, bem pertinho de Ushuaia, onde dois oceanos, o Pacífico e o Atlântico, se encontram (clique aqui para saber por que este pedacinho de terra firme, antes da Antártica, é tão temido pelos navegantes).
Experiencechile.org
O pior pedaço do Fim do Mundo
"Para mim, o Cabo Horn é como um portal para um mundo ainda selvagem e inóspito", define a brasileira, que esteve lá algumas vezes durante sua última temporada de navegação no extremo sul do continente.
"O frio que vem da Antártica é constante, as ondas costumam ser gigantes e o vento é tão violento que a única família de faroleiros que vive lá precisa fazer até testes psicológicos prévios, para avaliar se não irão enlouquecer. Mas, para mim, navegar no Cabo Horn é ter certeza que estou viva e fazendo o que eu realmente gosto".
A mineira Christina não sente saudade alguma da vida que levava antes de descobrir sua verdadeira vocação: navegar no Fim do Mundo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.