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Histórias do Mar

Mensagens em garrafas lançadas ao mar: o curioso hábito que dura até hoje

Jorge de Souza

13/03/2020 15h40

(Crédito: Charlotte Noelle/Unsplash)

Mesmo em tempos de Facebook, WhatsApp e todo tipo de comunicação instantânea eletrônica, o singelo ato de escrever uma mensagem num pedaço de papel, enfiá-la dentro de uma garrafa vazia e lançá-la ao mar, na esperança de que, um dia, ela vá dar em algum lugar e seja lida por alguém, ainda é largamente praticado.

E diverte um bocado — tanto quem envia a garrafa, quanto, principalmente, quem a acha.

Nada é mais intrigante em qualquer objeto trazido pelo mar do que imaginar de onde ele veio e a história que há por trás dele.

Como não vibrar ao ler o que está escrito em um pedaço de papel que vagou meses (ou anos, como geralmente acontece) pelos oceanos?

Como não ficar tentando imaginar quem o escreveu e em quais circunstâncias isso aconteceu?

Como, enfim, resistir a mais irresistível característica humana, a curiosidade?

Pois as mensagens em garrafas reúnem todos estes atributos, numa só embalagem.

Quem teria escrito aquela mensagem?

De onde aquela garrafa teria vindo?

Por onde já teria passado, apenas ao sabor das ondas do mar?

No caso das mensagens em garrafas, hábito que remonta aos gregos, 300 anos antes do início da nossa era, quando eram usadas para tentar avaliar a extensão dos oceanos, as histórias são ainda mais fascinantes, porque há, de fato, uma história escrita em cada mensagem.

E uma pessoa em carne e osso do outro lado, que quer ser contatada, feito uma espécie de Facebook primitivo.

O caçador de mensagens em garrafas

"Achar uma garrafa com uma mensagem na praia é quase como encontrar um tesouro enterrado na areia", define um especialista no assunto, o italiano Roberto Regnoli, que há mais de 15 anos se dedica a garimpar, com a ajuda de uma rede de correligionários, garrafas com mensagens que vão dar nas praias da Itália e dos países vizinhos.

"O gesto de lançar uma mensagem ao mar tem algo de romântico, além de ser deliciosamente ingênuo", define o italiano. "É uma espécie de antídoto contra as formas de comunicação cada vez mais frias e instantâneas, além de ser uma maneira de unir pessoas, que, de outra forma, talvez, jamais se conheceriam".

A coleção do italiano contém até uma cueca enviada dentro de uma garrafa, na qual um suposto náufrago escreveu uma mensagem, pedindo ajuda, mas avisando que "seu celular tinha pouca bateria".

Uma brincadeira, claro, embora, no passado, mensagens desse tipo tenham, de fato, ajudado a salvar pessoas.

Mais antigo correio do mundo

Em sua viagem de regresso à Europa, após ter descoberto a América (que ele pensava ser a Índia), Cristóvão Colombo enfrentou uma tempestade tão dura que não teve dúvidas: redigiu uma mensagem, relatando a descoberta, e a enfiou dentro de uma garrafa, na esperança de que ela atingisse a Europa, caso ninguém sobrevivesse para contar a boa nova.

A garrafa de Colombo jamais foi encontrada.

Mas o mesmo não se pode dizer de outras mensagens do gênero, enviadas por oficiais da Marinha Inglesa, nas quais relatavam posições de navios inimigos no Século 16, para a Rainha Elizabeth — que, por isso mesmo, punia com pena de morte quem abrisse uma dessas garrafas antes de entregá-las à Corte.

Desde aquela época, despachar mensagens pelo mar dentro de garrafas, uma das mais antigas formas de comunicação da História, tornou-se algo bem mais comum e frequente do que os filmes de náufragos sugerem.

Até porque, embora sujeita as intempéries, uma garrafa bem lacrada é um dos objetos mais marinheiros já inventados pelo homem.

Ondas e tempestades são capazes de afundar grandes navios, mas não conseguem tirar da superfície uma simples garrafinha com um pouco de ar dentro.

E isso segue até hoje, embora alguns ecologistas já vejam nisso uma forma de agressão ao meio ambiente.

A mensagem que virou recorde

É certo que a imensa maioria das garrafas com mensagens atiradas ao mar se perdem na imensidão dos oceanos ou ficam dando voltas sem fim ao redor do planeta, levadas pelas correntes marítimas, sem que ninguém as encontre.

Mas quem lança ao mar uma garrafa com um bilhete dentro sempre nutre a esperança de que, um dia, ele seja lido. Mesmo que, às vezes, tardiamente.

O caso desse tipo mais famoso foi uma garrafa que foi encontrada dois anos atrás, em uma praia da Austrália, com uma mensagem que havia sido enviada por um navio em 12 de junho de 1886 – ou seja, 132 anos antes.

Western Australia Museum

Possivelmente, a garrafa ficou enterrada na areia por mais de um século e só reapareceu após alguma tempestade ter revirado a praia.

Mesmo assim, entrou para o Livro dos Recordes, como a mais antiga mensagem em garrafa já encontrada.

E hoje está no Museu de Western Austrália.

Outras garrafas que fizeram história

  • Em 14 de abril de 1912, Jeremiah Burke e Nora Hegarty, dois jovens primos irlandeses que viajavam no Titanic, lançaram ao mar uma mensagem de despedida, antes de afundarem com o próprio navio. Nela, diziam apenas "Adeus a todos", junto com o nome deles e do fatídico navio. Um ano depois, a garrafa com a mensagem das vítimas chegou a uma praia da Irlanda e foi entregue à família dos dois primos. Detalhe: era a mesma garrafa que eles haviam levado de casa, com água benta, para que nada de ruim acontecesse na viagem.
  • Em 9 de setembro de 1915, o soldado inglês Thomas Hughes, que estava indo para a guerra, escreveu uma mensagem para sua esposa, que havia acabado de ganhar um bebê que ele nem conhecera, a colocou em uma garrafa de cerveja e a atirou no mar, durante a travessia do Canal da Mancha. Dois dias depois, ele morreu em combate. Em 1999, sua garrafa foi, finalmente, encontrada por pescador no Rio Tâmisa, que descobriu que a mulher do soldado, obviamente, já havia morrido, mas sua filha estava viva. E fez chegar até ela a mensagem que seu pai, que ela jamais conhecera, havia escrito, 85 anos antes.
  • Em 1940, o pastor evangelista americano George Phillips criou um método curioso para convencer as pessoas a não beberem: escrevia sermões contra o álcool e os colocava dentro de garrafas vazias de uísque, que eram atiradas ao mar. Fez mais de 20 000 mensagens, mas recebeu respostas de diversas partes do mundo. Uma delas dizia que encontrar aquela mensagem na praia foi "um sinal de Deus" e, por isso, a pessoa, um alcoólatra mexicano, havia decidido parar de beber. Pelo menos um caso deu certo.

  • Em 1956, um marinheiro sueco, chamado Ake Viking, resolveu apelar para o mar em busca de uma namorada. Escreveu uma mensagem "para uma jovem bonita e distante" e lançou a garrafa ao mar. Dois anos depois, a italiana Paolina achou a garrafa numa praia da Sicília e respondeu à mensagem. "Não sou bonita, mas devo ter sido escolhida pelo destino", respondeu. Logo, os dois estavam casados.
  • No início dos anos 2000, durante uma visita à base científica de São Pedro e São Paulo, a quase 1 000 quilômetros da costa do Nordeste, o biológo brasileiro Osmar Luiz Júnior decidiu lançar ao mar uma garrafa com mensagem, pedindo a quem a encontrasse que fizesse contato. Cinco meses depois, a garrafa foi dar nas Ilhas Cayman, no Caribe, a mais de 2 000 quilômetros de distância. Mas o detalhe mais curioso é que ela foi encontrada por outro brasileiro, que vivia na ilha.
  • Em 2005, um grupo de imigrantes ilegais foi abandonado pelos traficantes num barco à deriva, ao largo da Costa Rica. Sem nenhum meio de comunicação, eles escreveram um pedido de socorro e o colocaram dentro de uma garrafa, que, milagrosamente, foi achada por um pescador apenas três dias depois. Graças a isso, todos foram salvos.
  • Em 2018, dois estudantes gaúchos que caminhavam na Praia do Cassino, no Rio Grande do Sul, encontraram uma garrafa com uma mensagem escrita pelo velejador e professor alemão Martin Finkbeiner sete anos antes, quando ele navegava nas proximidades da Ilha de Santa Helena, no meio do oceano Atlântico. A mensagem dizia apenas que aquilo era "uma prova de tudo o que é jogado no mar acaba indo parar em algum lugar". E foi mesmo.

A mais estranha de todas as garrafas

Mas nada se compara a uma garrafa que foi encontrada em uma praia da Florida, no ano passado.

Walton County Sheriff's Office

Ela continha, além de um bilhete, parte das cinzas de um corpo humano que fora cremado, como explicou a policial que encontrou a mais insólita garrafa que o mar já trouxe.

E quem a havia enviado foi a mãe do próprio finado, para que seu filho, "que queria viajar pelo mundo", pudesse "realizar o sonho, mesmo depois de morto".

Mesmo nos dias de hoje, o mais antigo correio do mundo segue entregando surpresas.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.