Topo

Histórias do Mar

O gaúcho que caça submarinos alemães afundados na Segunda Guerra Mundial

Jorge de Souza

27/11/2019 10h00

O gaúcho Nestor Magalhães, de 69 anos, tem um hobby curioso: mergulhar em submarinos afundados durante a Segunda Guerra Mundial, com ênfase especial nos U-Boats, como eram chamados os submarinos alemães daquela época.

Ele faz isso há mais de 10 anos, e sua paixão por um tema tão específico já o levou a rodar o mundo e fazer mais de 200 mergulhos em diferentes pontos do planeta, sempre em busca de submarinos submersos no maior conflito da História.

O curioso é que Nestor não é alemão (nem tem nenhuma ascendência germânica), não viveu a guerra (pois nasceu no Brasil, cinco anos após ela ter terminado), não é um mergulhador experiente ("sou apenas mediano", diz) e, ainda por cima, não sabe nadar – embora o que mais faça seja ficar debaixo d´água, vasculhando gigantescos monstros de aço do passado.

"Na água, só sei afundar para ir atrás de naufrágios", diz Nestor, que também nada tem de milionário, embora viaje tanto mundo afora.

Ex-tenente do Exército, hoje aposentado, ele mora num pequeno apartamento de classe média em Porto Alegre, onde transformou um dos quartos numa espécie de museu particular.

Ali, guarda maquetes (que ele mesmo constrói) de alguns navios e submarinos nos quais já mergulhou, identificadas com plaquinhas, nas quais se pode ler um pouco sobre a história de cada peça.

Entre elas, há lembranças que trouxe de mares distantes e dos tempos em que metade do mundo se convulsionava em batalhas e tragédias.

Como um pedacinho da madeira do convés de um navio japonês, abatido pelos americanos no Pacífico, e o capacete original de um soldado alemão morto na Batalha de Stalingrado, em 1940 – este, seu maior troféu em outro hobby que possui: colecionar capacetes de guerra, além de miniaturas de blindados, que ele próprio monta e cuja frota passa das 50 unidades.


"Certa vez, para ir atrás de um capacete japonês da Segunda Guerra, quase caí na armadilha de um guia desonesto, numa ilha remota da Ásia", recorda. "Quando chegamos ao local, ele quis tomar a minha bicicleta e me deixar sozinho no meio da selva. Foi um baita susto e tive que sair correndo, fugindo dele", conta Nestor, que, no entanto, nada vê de perigoso, arriscado ou excepcional no que faz.

Sou apenas um pesquisador da Segunda Guerra Mundial, como tantas outras pessoas", diz. "A diferença é que eu vou atrás, também, do que está debaixo d´água, e isso pouca gente faz. Eu vou onde os outros pesquisadores não conseguem chegar", avalia.

Mas, também curiosamente, ele não gosta de guerras. "Fui soldado no Exército e sei bem o que um tiro pode causar. Imagine, então, um bombardeio, como os que afundaram boa parte dos navios e submarinos nos quais mergulho. A guerra não faz bem para ninguém. Nem para quem a vence", analisa.

Penetrando nos submarinos

Quando pode, Nestor também viaja para visitar submarinos em museus mundo afora, aproveitando para conhecê-los por dentro, o que ele define como uma experiência sempre muito interessante.

Em seu apartamento, ele passa a maior parte do tempo no "escritório-museu" particular, pesquisando os próximos naufrágios nos quais irá mergulhar.

"Este quarto me inspira", diz Nestor, que já escreveu três livros sobre os mergulhos e incursões que fez em busca da história submersa da Segunda Guerra. Agora, ele está terminando de escrever o quarto.

O gosto de Nestor pelo tema vem desde pequeno, embora nenhum parente dele tenha participado das duas grandes guerras mundiais.

Sei lá de onde veio este gosto, mas talvez tenha a ver com o primeiro livro que li na vida, '20 mil Léguas Submarinas', de Julio Verne, que tinha o capitão Nemo e sua fantástica máquina das profundezas".

"Eu devia ter uns 10 anos de idade e o fundo do mar nunca mais saiu da minha cabeça, bem como as naves de guerra, que vieram em seguida. Daí, juntei as duas coisas e acabei me especializando em mergulhos em naufrágios de guerra, que é o que mais faço hoje em dia".

Nas suas viagens, que acontecem, em média, seis vezes por ano (e para lugares tão distantes quanto a ilha de Truk, na Micronésia, ou Vanuatu, no Pacífico), Nestor sempre leva uma bandeira do país ao qual pertencia o naufrágio que irá explorar – geralmente Alemanha ou Japão, que detinham as maiores frotas entre os países do Eixo, na Segunda Guerra Mundial. E desce com a bandeira até o naufrágio, para "ambientar" melhor as fotos submarinas que faz.

"Quase sempre, sei bem mais sobre a história daqueles barcos e como ocorreram os seus naufrágios do que os guias que me levam até eles", diz Nestor. "É que pesquiso muito antes, e isso já me tirou de algumas enrascadas".

Numa delas, foi deixado para trás pelo guia submarino, num local onde a visibilidade debaixo d´água era praticamente nula. Só conseguiu voltar à superfície porque foi tateando o submarino até encontrar o cabo que o unia ao barco lá em cima.

"Por sorte, eu sabia onde ficava cada parafuso do casco e fui tateando até a proa, sem ver nada. Foi tenso, mas fez valer toda a minha pesquisa anterior", recorda.

Por que a paixão pelos submarinos alemães?

"Os U Boats foram a mais letal arma que a Alemanha teve na Segunda Guerra Mundial. Por muito pouco, não mudaram a História. Mas, ainda mais fabulosos do que eles, foram são os homens que os tripularam, porque sabiam que tinham poucas chances de escapar com vida e, mesmo assim, não esmoreciam", diz Nestor.

"Os tripulantes dos submarinos alemães na Guerra foram bravos e brilhantes combatentes, que nós não demos o devido valor, porque estavam no lado inimigo ", diz Nestor, que nada tem de alemão. "Minha família é italiana e portuguesa", acrescenta.

E ele continua: "Proporcionalmente, nenhuma outra força militar sofreu tantas baixas na Segunda Grande Guerra quanto as guarnições dos U Boats e, mesmo assim, elas continuaram lutando até o fim. A história daqueles homens é um exemplo de coragem, determinação e persistência", acrescenta Nestor, que é dono de um ativo blog sobre o tema, o Cavaleiro das Profundezas, também com muitos seguidores no Facebook.

"Por isso, sempre que sobra algum dinheirinho, eu vou atrás deles. No fundo do mar".

Fotos: Arquivo Pessoal Nestor Magalhães

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.