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Histórias do Mar

Bebê brasileira recém-nascida no Taiti já mora em um barco no mar

Jorge de Souza

17/04/2021 04h00

Com apenas duas semanas de vida, a pequena Isla já realizou o sonho de muita gente: está na paradisíaca ilha do Taiti, onde nasceu no sábado retrasado, e, daqui em diante, sua casa será um veleiro navegando no mar azul da Polinésia Francesa.

Isla é a primeira filha do casal de brasileiro Georgia Spiandorello, de 35 anos, e Diego Maio, de 36, que, cinco anos e meio atrás, decidiram jogar tudo para o alto, largar os empregos, vender o pouco que tinham e, com o dinheiro arrecadado, comprar um barco e sair viajando pelo mundo.

Desde então, a deliciosa rotina do casal tem sido pular de ilha em ilha mundo afora, com sua casa flutuante, apesar do dinheiro sempre curto.

Nome que veio do mar

Mas, dois anos atrás, quando chegaram à Polinésia Francesa, eles se apaixonaram tanto por aquelas ilhas de mar transparente e pessoas sorridentes, que usam flores como enfeites no cabelo até das crianças, que resolveram ficar por ali um tempo.

Mas logo veio a pandemia e eles não puderam mais sair.

E, em seguida, a primeira filha do casal.

Ela foi concebida no mar, razão pela qual recebeu o gracioso nome de Isla ("Ilha", em espanhol) Maimiti ("Que vem do mar", no idioma taitiano, onde todos os nomes têm um significado romântico).

Dupla nacionalidade

Apesar de ter nascido no Taiti, a principal ilha da Polinésia Francesa, Isla Maimiti não terá direito a cidadania francesa, porque, pelas leis da França, o que vale é a ascendência, não o local do nascimento.

"Ela é brasileira, como nós, e também italiana, porque eu tenho dupla nacionalidade", explica a mãe, Georgia, que não se arrependeu nem um pouco em ter dado à luz em uma ilha tão distante do Brasil.

Ao contrário, adorou a escolha.

"Nossa filha nasceu em um ótimo hospital público daqui, que não nos cobrou nada, e, até hoje, todos os dias, uma equipe vem até o nosso veleiro para avaliá-la. Mas eles ainda acham curioso que a nossa casa seja um barco", diverte-se Georgia, que só lamenta não ter tido a companhia também dos pais quando a filha nasceu, no último dia 3.

"A covid-19 impediu, embora, aqui no Taiti, tenha vacina para todo mundo", diz.

O barco-casa onde o casal vive desde que deixou o Brasil é um veleiro de pouco mais de 13 metros de comprimento, batizado de Unforgettable ("Inesquecível", em português), com sala, cozinha, banheiro e três pequenos quartos, um deles devidamente decorado para receber a nova integrante da família, que foi morar no mar com apenas três dias de vida.

Mudança radical de vida

Até decidirem mudar radicalmente de vida e morar no mar, Georgia e Diego, ambos gaúchos, levavam uma típica vida assalariada de classe média no Brasil.

Ele trabalhava em uma empresa de pesquisas e vivia com um salário sempre curto, embora nutrisse o sonho de, um dia, comprar um barco e viajar.

Já Georgia, que nascera na Serra Gaúcha e nada sabia sobre barcos, tinha um emprego burocrático em uma empresa de importações, e só curtia o mar quando ia à praia, em Florianópolis, onde os dois moravam, ainda como namorados.

"Até conhecer o Diego, eu jamais havia pensado em viver num barco, embora adorasse viajar. Hoje, não consigo imaginar uma vida mais feliz, ainda mais agora, que somos uma família completa", diz Georgia.

Levando a casa junto

Georgia e Diego partiram do Brasil com o barco que compraram, após vender tudo o que tinham, em novembro de 2015, ainda como namorados, e foram subindo a costa brasileira, enquanto ganhavam experiência e segurança para ir mais longe.

Tempos depois, chegaram ao Caribe, onde se casaram em uma cerimônia bem simples, numa praia da República Dominicana.

Em seguida, tomaram o rumo do Taiti, um sonho que eles jamais imaginaram que poderiam realizar.

"Chegar ao Taiti levando a nossa casa junto e gastando pouquíssimo dinheiro na viagem, porque o vento que move os veleiros é de graça, foi uma sensação maravilhosa", diz Georgia. "E, agora, com a Isla junto, está sendo melhor ainda".

Berço no barco

Após tanto tempo viajando, o casal já se habituou a não fazer muitos planos futuros, "porque a vida no mar exige paciência e flexibilidade", explica Diego.

Mas, com a chegada da bebê, eles planejam permanecer na Polinésia Francesa por mais um ano, navegando apenas entre as ilhas mais próximas ("para ela se acostumar com o mar", diz Georgia), antes de seguir para a Austrália e a Ilha de Bali, onde também querem passar algum tempo.

"Para nós, não é mais uma viagem. É a nossa nova vida, movendo a casa de um lugar para outro, sempre que der vontade", explica Georgia, que já instalou um bercinho no barco e, agora, pretende comprar uma máquina de lavar roupas, para dar contas das muitas fraldas de pano que fez para a bebê.

"Não dá para usar só fraldas descartáveis, porque aqui elas custam muito caro, e também porque, em um barco, o lixo é sempre um problema muito sério. E, jogar no mar, nem pensar!", diz a mãe-navegadora.

Vivem com R$ 3 000 por mês

Para se manter financeiramente, o casal, que nada tem milionário, muito pelo contrário, já que vive com o dinheiro sempre contado, aderiu a um site de financiamento coletivo, no qual as pessoas que simpatizam com a proposta de vida deles contribuem voluntariamente para a produção de vídeos que eles postam semanalmente e um canal que criaram no YouTube.

Nele, o casal conta como é morar em um barco, mostra os lugares por onde já passaram, dá dicas práticas para quem quiser fazer o mesmo e inspiram outras pessoas a trocarem a casa por um barco, e curtir a vida todos os dias.

"Começamos fazendo vídeos só para a família e os amigos. Mas logo descobrimos que havia mais gente querendo assisti-los. Daí veio a ideia de transformar os vídeos em um pequeno negócio para financiar a nossa própria viagem, e vem dando certo", anima-se Diego.

Mesmo estando no Taiti, eles vivem com cerca de R$ 3 000 por mês.

"Não dá pra gastar um centavo com restaurantes, por exemplo, ainda mais aqui no Taiti, onde tudo é muito caro. Mas, em compensação, aproveitamos de graça a maravilhosa paisagem da Polinésia Francesa. É uma vida bem simples, mas deliciosa. E é isso que queremos para a nossa filha, que teve a sorte de já nascer no paraíso", completa Georgia.

Outra família do mar

Embora não muito frequente, a filha do casal brasileiro que acaba de nascer no Taiti e já está morando em um barco não é o primeiro bebê que, logo ao nascer, vai viver no mar.

Mesmo no Brasil, já existem famílias que optaram por criar seus filhos em um barco, em vez de uma casa.

Um dos casos mais interessantes é o da família argentina Dorda, que há três anos vive a bordo de um veleirinho com menos de nove metros de comprimento na Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro, com dois filhos pequenos – Ulisses, de cinco anos, e Renata, uma bebê de apenas dez meses, que também mora no mar desde que nasceu.

@rocharenatafotografia

O barco deles não tem geladeira nem chuveiro, e os quatro vivem com menos de dois salários mínimo por mês, fruto do aluguel do pequeno apartamento onde moravam em Buenos Aires e da venda de um livro que escreveram sobre a radical mudança de vida que decidiram fazer.

E da qual, até hoje, não se arrependem – clique aqui para conhecer a curiosa história desta outra família, que também decidiu viver com filhos pequenos em um simples barco no mar.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.