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Histórias do Mar

Diretor de Titanic e milionário disputam por recorde de profundidade no mar

Jorge de Souza

01/10/2019 09h49

(Crédito: The Five Deeps Expedition)

No início do mês passado, ao descer até o fundo de um ponto específico do Oceano Ártico com um mini submarino especial que ele mesmo mandou construir, o aventureiro e milionário americano Victor Vescovo, de 53 anos, tornou-se o primeiro homem a visitar os cinco locais mais profundos de todos os oceanos. Inclui-se aí o maior de todos: a Fossa das Marianas, no Pacífico, que passa dos 10 mil metros de profundidade.

(Crédito: Tamara Stubbs/The Five Deeps Expedition)

Mas o que deixou Vescovo realmente entusiasmado foi ter, segundo ele, quebrado o recorde mundial de profundidade, ao atingir 10 924 metros debaixo d'água, justamente naquele local, em maio deste ano.

(Crédito: Mark Thiessen/National Geographic/DEEPSEA CHALLENGE 3D)

A marca do novo recordista, no entanto, acaba de ser contestada pelo recordista anterior, o famoso diretor de cinema canadense James Cameron (de "Titanic"), que sete anos atrás também mergulhou no mesmo ponto com um mini submarino e tocou o fundo a 10 908 metros – ou seja, 16 metros a menos que a marca que Vescovo diz ter atingido no mesmo local.

Com isso, começou a polêmica entre os dois candidatos ao título de aventureiro mais profundo do mundo.

(Crédito: Reuters)

"O Vescovo não pode ter atingido um ponto que não existe", alfinetou Cameron durante uma entrevista na Nova Zelândia, na semana passada. "Eu estive lá e posso garantir que o ponto mais profundo dos oceanos é plano feito uma mesa de bilhar, sem nenhum buraco ou depressão que permitisse a ele descer mais do que eu desci", disse o cineasta e explorador, pondo lenha na fogueira das vaidades que agora arde entre os dois aventureiros.

(Crédito: Mark Thiessen/National Geographic/DEEPSEA CHALLENGE 3D)

"Naveguei mais de dois quilômetros rente ao fundo da Fossa das Marianas e a profundidade não variou mais que um metro, para cima ou para baixo. Essa diferença de 16 metros só pode ser erro de medição dele", acrescentou Cameron, que também foi o primeiro homem a descer com um mini submarino tripulado até os escombros do Titanic, navio que ele ajudou a eternizar no cinema. "O que o Vescovo disse que fez e o que testemunhei não combinam".

É possível, no entanto, que nenhum dos dois tenha, de fato, descoberto quanto mede o ponto mais profundo dos oceanos, porque, no mar, esse tipo de medição costuma mesmo apresentar variações.

"Uma medição como essa depende da metodologia utilizada, porque há fatores como a densidade, salinidade e até a temperatura da água, que interferem na precisão numérica", explica o geofísico Mark Zumberge, do Instituto de Oceanografia Scripps. "Medir a profundidade exata no mar não é tão simples como saber as distâncias em terra firme".

Por que é tão difícil saber?

A rigor, há dois meios para medir a profundidade exata no mar: através da pressão que a água exerce sobre os objetos submersos ou por meio de sonares, aparelhos que medem o tempo que uma onda sonora leva para descer e retornar à superfície.

Mark Thiessen/National Geographic/DEEPSEA CHALLENGE 3D

"Não existe GPS submarino", diz Cameron, tentando explicar a diferença entre a sua medição, em 2012, e o novo recorde que Vescovo diz ter atingido, quatro meses atrás. "Os sonares apresentam margens de erro, porque os pulsos sonoros viajam em velocidades diferentes dependendo da temperatura da água, e ainda podem penetrar na lama ou areia do fundo, gerando medições igualmente equivocadas. Acho que o Vescovo confiou demais no sonar do seu submarino", cutucou o canadense na entrevista.

(Crédito: Atlantic Productions/Discovery Channel/The Five Deeps Expedition)

Mas Vescovo contra-atacou em seguida, dizendo que sua medição, tal qual a de Cameron, foi feita por meio da pressão submarina, método que também para os cientistas é o mais confiável.

(Crédito: Atlantic Productions/Discovery Channel/The Five Deeps Expedition)

Além disso, o americano garante que sua equipe produziu previamente mapas super precisos da região, "o que Cameron não fez", e que eles mostraram que a área mais profunda da fossa "se assemelhava ao fundo de um pote", portanto o canadense pode não ter descido até o ponto realmente mais fundo, "no centro desta concavidade".

(Crédito: Reeve Jolliffe/The Five Deeps Expedition)

Pela teoria de Vescovo, os dois teriam mergulhado no mesmo local, "mas não exatamente no mesmo ponto", o que explicaria a diferença de míseros metros nas duas medições – quase nada se comparado a distância de quase 11 quilômetros entre o fundo do mar e a superfície naquela região, mas o bastante para dar ao americano o recorde absoluto de profundidade.

Outra teoria é que o fundo do mar no local tenha sido alterado pelas correntes marítimas entre a época do mergulho de Cameron, em 2012, e o de Vescovo, em 2019, embora isso seja pouco provável.

"Vescovo fez as melhores medições que pôde, mas daí a chegar à superfície e afirmar que quebrou o recorde é outra história", disse Cameron, frisando, no entanto, que mais importante do que quebrar recordes é "mostrar que o ser humano já possui capacidade de construir máquinas que permitem visitar qualquer ponto do fundo dos oceanos, a fim de entendê-los melhor e facilitar as pesquisas subaquáticas".

(Crédito: The Five Deeps Expedition)

"80% do fundo dos mares do planeta ainda não foram mapeados, sequer visitados. Conhecemos muito mais sobre o solo lunar do que o fundo do mar do nosso planeta", finalizou Cameron, que foi o terceiro homem da História a descer até o ponto mais profundo da Terra conhecido até hoje.

Quem foram os primeiros?

Os dois primeiros a descer até o ponto mais profundo dos oceanos foram o americano Don Walsh e o francês Jacques Picard, que, em 1960, chegaram ao fundo da Fossa das Marianas a bordo de um batiscafo (uma espécie de avô dos atuais mini submarinos) inventado pelo pai de Picard e batizado Trieste – nome que foi alterado para Challenger Deep pelos americanos, como conta a interessante história da conquista do ponto mais profundo dos oceanos, que aconteceu apenas 59 anos atrás).

(Crédito: Reeve Jolliffe/The Five Deeps Expedition)

Mesmo assim, apesar de toda a tecnologia, até hoje a ciência ainda não foi capaz de criar um método cem por cento preciso de resolver a complexa questão da medição exata da profundidade dos mares – sobretudo em locais desafiadores como a Fossa das Marianas.

E é dessa dúvida que Cameron e Vescovo estão se valendo para fomentar a polêmica sobre qual dos dois, afinal, foi mais fundo na aventura de chegar ao ponto mais profundo do planeta.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.