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Histórias do Mar

Um ano desaparecido: homenagem ao submarino que sumiu promete ser bem tensa

Jorge de Souza

15/11/2018 09h55

 

Exatamente um ano atrás, às sete de manhã de 15 de novembro de 2017, o comandante do submarino argentino ARA San Juan fez seu último contato com a Base Naval de Mar del Plata, para onde seguia.

Na ocasião, quando navegava a cerca de 320 quilômetros da costa, ele reportou entrada de água no submarino e um princípio de incêndio, que, no entanto, segundo o comandante, já estava contornado.

Foi a última vez que se teve notícia do submarino, que levava 44 pessoas a bordo e desapareceu em algum ponto até hoje desconhecido do mar do sul da Argentina.

Nesta tarde, para lembrar a data e homenagear as vítimas, haverá uma cerimônia, seguida de missa, na mesma Base Naval de onde o submarino partiu e nunca mais voltou. E contará com a presença dos familiares dos 44 tripulantes do submarino desaparecido e do presidente argentino Mauricio Macri, além do ministro da Defesa, Oscar Aguad. Mas este encontro promete não ser nada amistoso.

Indignados, os parentes dos tripulantes, que desde o desaparecimento cobram explicações dos responsáveis e exigem saber toda a verdade sobre o caso, divulgaram uma carta na qual, além de rebater um comentário recente de Macri de que os tripulantes poderiam ter cometido "erros", deixam claro que o governo vem omitindo informações sobre o que ocorreu um ano atrás.

"Repudiamos a presença do Presidente na cerimônia", diz a carta. "O governo tem mentido e ocultado informações em favor de suas ações hipócritas", diz o manifesto. "O Presidente, como Comandante-Chefe das Forças Armadas, é o maior responsável pelo caso", acrescenta. E conclui a carta: "Queremos que ele use a cerimônia para dar explicações aos familiares e apresentar os planos concretos de ação da continuidade das buscas pelo submarino, não para posar para fotos".

Ao final da cerimônia, haverá o apito coletivo de todas as embarcações da Base Naval de Mar del Plata, em homenagem aos colegas que estavam no submarino, mas não um minuto de silêncio, porque, para os familiares das vítimas, os 44 mortos no episódio ainda têm que ser considerados "desaparecidos", embora não exista nenhuma possibilidade de estarem vivos. "Enquanto não acharem o submarino não permitiremos que nossos parentes sejam chamados de 'mortos'", diz a mãe de uma das vítimas, usando a questão técnica para constranger ainda mais o governo argentino.

A cerimônia de hoje também coincide com outro aspecto negativo do caso: o fim das buscas do submarino pela empresa americana Ocean Infinity, que, através de um contrato de risco com o governo argentino, passou quatro meses vasculhando o fundo do mar da região, em vão.

Apesar de ter vasculhado uma área gigantesca, a empresa não detectou nenhum vestígio do submarino ou o que restou dele, já que uma das hipóteses mais prováveis é que tenha havido a implosão ou explosão do ARA San Juan causada pelo contato das baterias com a água do mar, ou quando ele, desgovernado, ultrapassou o limite máximo de profundidade.

O contrato da empresa termina hoje e amanhã o navio parte para um período de manutenção na África do Sul, podendo, ou não, retornar em fevereiro, se o contrato com o governo argentino for estendido.

"É muito provável que isso aconteça", diz o ministro Aguad, que, dois dias atrás, afirmou que "as esperanças de encontrar o submarino seguem intactas" e que "é bem possível que as buscas da Ocean Infinity tenham passado bem perto dele, sem, no entanto, localizá-lo".

"Um submarino é uma arma de guerra, feita justamente para passar desapercebida" justificou o ministro, para angústia e decepção dos familiares das vítimas, que exigem a retomada das buscas.

A última área vasculhada pela empresa americana foi a região onde o operador de sonar de um navio disse ter ouvido ruídos semelhantes a pancadas intencionais num casco de metal, na época do desaparecimento do submarino – mas em local bem distante do ponto onde houve a última comunicação do comandante com a base.

A busca naquela região foi determinada pela juíza Marta Yáñez, encarregada do inquérito, mas não apresentou nenhum resultado. "Após o que quer que tenha acontecido, alguns sobreviventes do submarino podem ter tentado avisar que estavam vivos, golpeando o casco", explicou no seu despacho.

O que pode ter acontecido?

Umas das hipóteses para explicar por que o submarino não foi encontrado até hoje é que, talvez, ele não exista mais – a explosão ou implosão teriam destruído o ARA San Juan de tal forma que não sobraram grandes pedaços possíveis de serem vistos no fundo do mar.

Outra teoria é que, após a morte de toda a tripulação (talvez por intoxicação pelos gases gerados pelo contato das baterias com a água salgada), o submarino tenha continuado a avançar – e descer – sozinho, até que tocou o fundo do mar (ou implodiu ao ultrapassar o seu limite máximo de profundidade), num ponto bem distante do último contato, o que explicaria não ter sido encontrado nas buscas da Ocean Infinity.

Tudo, porém, não passa de especulação. Uma comissão de técnicos da Armada Argentina concluiu que uma das "hipóteses mais possíveis" da causa do naufrágio pode ter sido o mal funcionamento, ou "erro de operação", da válvula da escotilha de ventilação, que já havia apresentado problemas antes. "Mas não há como ter certeza disso sem que se ache o submarino", acrescentou.

O fato é que, com acusações de falhas na manutenção, falta de verbas, reformas malfeitas e até pagamentos de propinas por fornecedores de equipamentos de qualidade suspeita, a tragédia do submarino ARA San Juan virou, também, uma questão política.

A oposição vem fazendo coro com os familiares em acusar o governo de ter total responsabilidade no caso, como têm deixado claro nas reuniões da Comissão Especial da Câmara que investiga o caso. Que, no entanto, também nada concluiu até hoje – um ano após o completo sumiço do submarino, cuja história completa pode ser conhecida clicando aqui.

 

Imagens: AP/Armada Argentina/Marcela Moyano/Ocean Infinity/

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.