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Histórias do Mar

1,5 bilhão de máscaras foram parar no mar em 2020 e viram problema mundial

Jorge de Souza

07/07/2021 04h00

Foto: Getty Images

Como se não bastassem as mortes e a crise econômica, a pandemia da covid-19 trouxe ainda outro efeito deletério para o planeta: o aumento na quantidade de lixo que está indo para os mares.

Sobretudo, máscaras, que se tornaram itens obrigatórios em todo o mundo.

Parece algo irrelevante, mas os números são assustadores.

Estimativas indicam que, só ano passado, mais de 1,5 bilhão de máscaras usadas foram parar no mar, por conta do descarte incorreto. Ou mais de 6 000 toneladas de um tipo de lixo que simplesmente não deveria estar no mar. Mas já está.

3 000 máscaras por minuto

1,5 bilhão é um número absurdo em si.

Significa mais de 4 milhões de máscaras usadas, contaminadas ou não, foram parar diariamente no mar, em 2020.

Ou 170 mil máscaras por hora, o que quer dizer que apenas durante o tempo que você levou para ler este texto até aqui, não mais que um minuto, 3 000 novas máscaras tiveram aquele destino.

Virou, enfim, mais um problema mundial. E que deve continuar.

Pior que garrafas pet

O alerta, dado pela ONG OceanAsia, apenas quantificou aquilo que qualquer pessoa que hoje for a uma praia urbana, no Brasil ou em qualquer canto do mundo, já pode perceber: máscaras boiando no mar ou trazidas pelas ondas – quando não descartadas pelos banhistas na própria praia, como uma versão moderna das latinhas e garrafas pets.

"Hoje, para os oceanos, as máscaras representam um problema até maior do que as garrafas pets, porque nem todo mundo bebe refrigerante diariamente, mas praticamente todos estão usando algum tipo de máscara, durante boa parte do dia", analisa a bióloga Daniela Lerario, uma especialista em gestão de resíduos, que é uma das palestrantes do Summit Blue-ing the Circular Economy, evento que está discutindo novos conceitos de reaproveitamento de recursos, e que está acontecendo na internet, até esta quarta-feira.

Como lixo hospitalar

"É só uma questão de tempo para uma parte dessas máscaras irem dar no mar, a exemplo do que vem acontecendo com o plástico e outros resíduos que não estão sendo reciclados", diz a especialista.

"O correto seria que todas as máscaras fossem tratadas como lixo hospitalar, ou seja incineradas em ambiente adequado, e não descartadas como lixo comum, porque boa parte desse lixo também acaba indo parar no mar", diz Daniel

Lixo? Só o do banheiro

O que os especialistas aconselham é que as máscaras usadas deveriam, no mínimo, ser descartadas no lixo do banheiro, que, em tese, tem outro destino do lixo comum.

Mas o ideal mesmo seria que todas as máscaras fossem feitas de material biodegradável, que dissolve rapidamente na água, o que não acontece com a maioria dos tecidos e nem mesmo com as máscaras descartáveis, porque ambas contém polímeros plásticos na sua composição.

"Não existe ´jogar fora´"

O plástico é o grande inimigo dos mares, porque leva décadas para se dissolver na forma de microplásticos, que por sua vez, são engolidos pelos seres marinhos – e, em última instância, pelas pessoas que os consomem.

"Ambientalmente falando, a própria palavra 'descartável' hoje é vista como pejorativa, porque não existe ´jogar fora", já que tudo está dentro do nosso planeta", completa outra palestrante do evento Summit Blue-ing the Circular Economy, a navegadora Heloisa Schurmann, matriarca da famosa Família Schurmann, que está em vias de partir para uma nova expedição pelos mares do mundo, que irá estudar exatamente a questão do lixo plástico nos oceanos.

"Nós precisamos mudar nossos hábitos de consumo, as indústrias repensarem os materiais usados na fabricação dos seus produtos e embalagens, e os governos mudarem políticas públicas de coleta e tratamento de resíduos", diz Heloisa Schurmann.

Descartáveis pioram o problema

Longe de serem contrários ao uso de máscaras, inquestionavelmente a maneira mais eficaz de evitar a contaminação pela covid-19 – além da vacina, obviamente -, os ambientalistas aconselham que, sempre que o material seja de boa qualidade, ou seja, com boa capacidade de filtragem do ar, sejam priorizadas as máscaras reutilizáveis em vez das descartáveis, embora seja sabido que as máscaras hospitalares descartáveis protejam bem mais que as de tecido.

O objetivo da sugestão é contribuir para não aumentar ainda mais a quantidade de lixo gerado pela pandemia – inclusive nos mares.

E que não tem sido pouco.

Aumentou o lixo em geral

"Com o confinamento, as pessoas passaram a consumir muito mais refeições e produtos entregues em casa, o que aumentou barbaramente a quantidade de embalagens, e o destino de 100% delas é sempre o lixo", analisa a bióloga Daniela Lerario, que reconhece, no entanto, que o momento exige certa flexibilidade.

"É uma questão delicada, porque embalagens são necessárias e máscaras um item ainda obrigatório. Então, a única saída momentânea é o descarte consciente e responsável de ambos, para não aumentar ainda mais o problema nos oceanos", diz a especialista em gestão de resíduos.

Quase tudo vai parar no mar

O problema de boa parte do lixo que há no mar começa em terra firme, com o descarte inadequeado do que não queremos mais.

Qualquer coisa jogada no chão, mesmo nas ruas das cidades do interior do país, tem grande chance de acabar no mar, levada pelas chuvas, que arrastam os detritos para a rede de esgoto, que vão dar em rios, que, de uma ou outra forma, sempre acabam desaguando no mar.

E o mesmo vale para aterros sanitários mal instalados.

O lixo extra da pandemia

"Hoje, o que mais me choca é a velocidade com que o lixo, sobretudo o plástico, chega aos oceanos. Os esforços atuais simplesmente não são suficientes. E, agora, ainda tem a questão do lixo extra gerado pela pandemia", diz Daniela, que já se habituou a dar com máscaras usadas nas areias das praias e boiando no mar, nas áreas mais longínquas,

As máscaras usadas já fazem parte do pacote de detritos inaceitáveis, como cotonetes, canudos, tampinhas, garrafas pets e microplásticos que vagam pelos mares, ao lado de toneladas de apetrechos de pesca e gigantescas redes fantasmas, que hoje representam a parcela mais significativa do problema da presença de material plástico nos oceanos.

Foto: Getty Images


"Equipamentos de pesca, pelo menos, tem algo a ver com o mar. Mas o que dizer de máscaras e luvas usadas contra a covid?", questiona a bióloga.

O nadador do lixão dos mares

Dois anos atrás, a questão da absurda quantidade de lixo plástico que vem sendo despejada pelos rios nos oceanos, levou um aventureiro a atravessar uma parte do Oceano Pacífico de uma maneira inédita, para chamar atenção para o problema.

Escoltado por um barco de apoio, o nadador francês naturalizado americano Ben Lecomte nadou mais de 500 quilômetros no trecho de maior concentração de lixo marinho do mundo, entre o Havaí e a Califórnia, para sentir o problema na própria pele.

Foto: Josh Munoz/The Swim Divulgação

E encontrou coisas inimagináveis boiando no mar, como pode ser conferido clicando aqui.

E olha que, naquela época, ainda não existiam as máscaras da covid-19.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.