Topo

Histórias do Mar

Minas flutuantes: os navios que extraem diamantes do fundo do mar

Jorge de Souza

03/07/2021 04h00

Fotos: Debmarine/Divulgação

Vinte anos atrás, um novo tipo de navio passou a ser usado no mar da Namíbia, um pequeno e esquecido país da costa oeste africana.

Repleto de tubos, torres, equipamentos e com um grande heliponto, para pouso e decolagens de helicópteros, eles ficavam sempre parados no mesmo local e lembravam plataformas de petróleo, já que sua função era extrair algo do fundo do mar.

Mas o que eles extraiam era muito mais valioso do que petróleo.

Eram diamantes.

Diamantes garimpados no fundo do Atlântico, por uma espécie de mina flutuante.

Hoje, já são oito destes navios em atividade na Namíbia.

E a exploração de diamantes no fundo do mar passou a ser uma das principais fontes de renda do país.

O maior de todos

Ainda este ano, um novo navio, o nono e o maior de todos, com 177 metros de comprimento – e o primeiro a ser construído com o único propósito de garimpar diamantes – ficará pronto, a um custo de quase 2,5 bilhões de reais – o maior investimento já feito pela indústria de prospecção de diamantes.

Mas os donos do negócio não têm a menor dúvida de que não só recuperarão o investimento rapidamente, como ganharão muito, muito dinheiro depois que o novo navio entrar em operação, porque ele aumentará em 35% a capacidade de captação do cristal mais cobiçado e valioso do planeta, que, duas décadas atrás, passou a ser extraído de um local até então improvável: o fundo do mar.

Os melhores do mundo

O que levou os especialistas em mineração a deduzirem que diamantes também poderiam ser achados debaixo d´água foi a análise geográfica da Namíbia, país que, embora seja praticamente dominado pelo deserto de Kalahari e tenha uma população seis vezes menor que a da cidade de São Paulo, é um dos maiores produtores de diamantes do mundo.

Após analisarem o fluxo do Rio Orange, que desemboca no mar depois de cruzar boa parte do sul da África, eles concluíram que os mesmos diamantes que garimpavam nas minas terrestres da Namíbia, todas situadas em uma estreita faixa entre as dunas do deserto e a interminável praia que dá forma ao litoral do país (o que faz, inclusive, com que diamantes brotem espontaneamente na areia), também poderiam ser encontrados debaixo d´água, levados pelo rio, após a varredura do solo africano.

Mas eles estavam enganados.

Havia muitos diamantes também no fundo do mar da Namíbia. Mas eles não eram iguais ao de terra firme. Eram bem melhores.

95% de pura qualidade

Hoje, apenas 20 anos depois, os diamantes submarinos da Namíbia já representam 75% do que o país lucra com a extração do cobiçado mineral, já que eles valem bem mais do que as pedras extraídas das minas convencionais.

Segundo o governo da Namíbia, que a partir de uma sociedade com a mais famosa empresa de exploração de diamantes do mundo, a De Beers, criou uma empresa dedicada exclusivamente a garimpar o fundo do mar com os tais navios-minas, a Debmarine, 95% dos diamantes que vem do mar são da mais pura qualidade, contra apenas algo entre 40 e 60% das pedras extraídas em terra firme.

Foto: Getty Images

A explicação sobre a melhor qualidade dos diamantes que vem do mar está na pressão que existe nas profundezas. Ao longo de milênios, ela forçou naturalmente a eliminação das impurezas contidas nas gemas.

Mas a exploração dos diamantes marinhos é bem mais complexa e cara.

Embora valha o esforço.

Como uma mina de verdade

No mar da Namíbia, os melhores diamantes até agora encontrados estão a mais de 60 quilômetros da costa e a uma profundidade entre 120 e 140 metros.

Para extraí-los, os navios-mina, depois de vasculharem a área com sonares, aspiram o fundo do mar com uma espécie de trator submarino roborizado, que, para horror dos biólogos e ambientalistas, despacha, através de grandes tubos, toneladas de rochas e sedimentos para a superfície, onde tudo é processado. Dentro do próprio navio.

O sistema de extração dos diamantes que vem do mar é o mesmo de uma mina convencional: maquinário pesado, com enormes bolas de aço, que moem os sedimentos dentro do próprio navio, em busca das pedras preciosas.

Os restos são devolvidos ao mar, gerando uma enorme mancha de resíduos na água, enquanto as pedras preciosas capturadas seguem automaticamente para caixas seladas, que, em seguida, são retiradas do navio por helicópteros.

Sem contato humano

A segurança a bordo é enorme – tanto pelo pesado processo mecânico de triturar rochas, quanto pelo valor do que está sendo garimpado.

Todos os tripulantes usam sensores no corpo, que disparam alarmes na cabine de comando do navio, quando eles entram em áreas não permitidas.

E, para evitar riscos, o processo inteiro de extração e envio dos diamantes é feito sem nenhum contato humano.

Cidade proibida

A segurança é a regra número 1 nas minas de diamante da Namíbia – seja no mar ou em terra firme.

Tanto que a atual cidade de Oranjemund, nas margens do Rio Orange, criada a partir de um alojamento de trabalhadores nas minas da De Beers, passou 81 anos fechada a visitantes e só se abriu para o mundo quatro anos atrás, quando já parecia claro que o principal pote de ouro da exploração havia migrado da terra para o mar.

Um tesouro dentro do outro

Mesmo assim, diamantes seguem brotando com fartura na faixa de areia que separa o deserto de Kalahari das praias desertas da Namíbia, uma região não por acaso chamada de Sperrgebiet, ou "Área Proibida", em alemão, idioma que durante muito tempo prevaleceu no país, justamente por conta da mineração de diamantes.

No entanto, 13 anos atrás, em 2008, um fato curioso aconteceu em uma das minas terrestres da De Beers.

Ao fazerem a escavação em uma lagoa que secara, fruto do recuo do mar, os técnicos da empresa encontraram nada menos que uma caravela portuguesa soterrada na areia, a Bom Jesus, que partira de Lisboa em 1533 e jamais retornara.

E o mais incrível é que, dentro dela, havia um tesouro ainda mais valioso do que os diamantes que eles buscavam – nada menos que 2 333 moedas de ouro do século 16, entre outras preciosidades.

Foi como achar Um tesouro dentro do outro – clique aqui para conhecer esta outra interessante história, sobre a estreita relação dos diamantes com o mar da Namíbia.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.