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Histórias do Mar

O poderoso porta-aviões russo que foi parar dentro de uma lagoa na China

Jorge de Souza

15/05/2021 04h00

Imagem: Google Earth

Quem tiver a curiosidade de acessar o Google Earth e digitar Sutong Yangtze River Bridge, verá uma grande ponte (a tal "Sutong) sobre um largo rio – o Yantze, o principal da China e um dos maiores do mundo.

Mas, se for aproximando a imagem e a deslocando para uma das margens, verá que surgirá uma espécie de lagoa, quadrada, bem ao lado da estrada que dá na ponte.

A princípio, pode parecer um simples campo alagado de plantação de arroz, como existe em qualquer canto da China, mas com uma estranha espécie de construção, bem comprida, no meio dele.

Aproximando ainda mais a imagem, você verá, no entanto, que – não! – não se trata de uma construção, muito menos uma ilha de formato curioso no centro daquela lagoa, e sim um navio – um grande e comprido navio, que, visto de cima, mais parece um porta-aviões.

E é.

Mas não um porta-aviões qualquer, e sim o maior que a antiga União Soviética teve, no passado: o lendário Minsk.

Mas o que aquele famoso e gigantesco porta-aviões russo, que atuou fortemente na época da Guerra Fria, está fazendo dentro de uma pequena lagoa na China?

A resposta está em uma longa história…

O que fazer com ele?

Em 1991, com a dissolução da União Soviética e o fim da chamada Guerra Fria, contra os Estados Unidos, a Rússia incorporou à sua Marinha quatro grandes porta-aviões que haviam sido construídos em estaleiros da Ucrânia, que então fazia parte do bloco soviético.

Um deles era o Minsk, o maior da frota, com 45 000 toneladas, que havia sido lançado em 1978, mas já precisava passar por uma reforma.

Mas, como fazê-la, se o estaleiro apto para isso – o mesmo que o havia construído – agora estava em outro país?

Incidente misterioso

Além disso, os custos de operação e manutenção daquele grande porta-aviões eram altos demais, mesmo para uma nação rica como a Rússia.
A decisão do governo russo foi, então, vendê-lo – especialmente após um "incidente", sobre o qual jamais foram divulgados detalhes.

Destino seria a sucata

Mas, para evitar que aquele mesmo porta-aviões pudesse vir a ser usado, no futuro, contra a própria Rússia, a venda teria que ser feita para desmanche, embora a nave tivesse pouco mais de uma década de uso.

Uma empresa sul-coreana se interessou pelo negócio e, após ter sido retirado do Minsk tudo o que fosse secreto e realmente bélico, o porta-aviões foi enviado para a Coréia do Sul, em 1995, para ser desmontado e vendido como sucata.

Mas, temendo que houvesse algum risco de contaminação por resíduos radioativos (consequência da má informação que reinou nos anos da Guerra Fria, embora o Misnk não tivesse nada a ver com energia nuclear), manifestantes sul-coreanos conseguiram impedir que o navio fosse desmantelado, logo após chegar ao país.

E o desmanche foi suspenso.

Surge uma alternativa

Mas, uma empresa da China se interessou pelo negócio e comprou o Minsk, também para desmontá-lo, com o aval do governo russo.

Mas também não chegou a fazê-lo.
Antes que a operação começasse, um rico empresário chinês fez uma proposta diferente, mas que também atendia aos interesses da Rússia para salvaguardar a sua própria segurança: transformar o outrora poderoso porta-aviões em um inofensivo parque temático de diversões.

Como a China não tinha nenhum porta-aviões, a curiosidade dos chineses a respeito daquela espécie de aeroporto flutuante era grande.

Ainda mais um porta-aviões grande e famoso como o Minsk.

Virou parque de diversões

O esperto empresário vislumbrou naquele navio prestes a virar sucata uma oportunidade de ganhar um bom dinheiro e fechou negócio, pagando o equivalente a R$ 40 milhões, em dinheiro de hoje, pelo porta-aviões.

Em seguida, o equipou com carcaças de helicópteros militares, velhos jatos chineses de combate e até caças russos Mig (que, por sinal, jamais foram explicados de onde vieram, já que a China também não tinha esse tipo de avião na época…), e inaugurou, em Shenzhen, nos arredores de Hong Kong, o Minsk World, um dos mais originais parques temáticos da Ásia, que funcionava dentro do próprio porta-aviões.

O sucesso foi imediato.


Entre bombas e danças

Ao longo de mais de uma década, mais de 15 milhões de chineses visitaram o curioso porta-aviões convertido em atração turística, que, entre outros atrativos, tinha exposições bélicas e funcionários chineses uniformizados de marinheiros soviéticos, mescladas com e DJs, máquinas de videogame e apresentações de dança e teatro chinês – uma salada que deixaria qualquer camarada russo da época em que o Minsk ainda navegava, abarrotado de armas e jatos, arrepiado.

Já os chineses adoravam.

Falência o levou para a lagoa

Mesmo assim, em 2016, o Minsk World foi a falência e a área onde ficava o parque (um grande píer que levava até o navio, permanentemente ancorado no fundo da baía da cidade) foi requerida pelo governo chinês.

Surgiu, então, o problema: o que fazer com aquele porta-aviões?

Foi quando apareceu outro empresário chinês, disposto a realocar o Minsk World em outras águas – estas, bem mais bizarras.

Uma lagoa artificial nas margens do Rio Yangtze, em Nantong, a cerca de 50 quilômetros de Xangai, foi construída, e o gigantesco porta-aviões enfiado dentro dela, feito um peixe em um aquário.

Um cenário tão absurdo quanto o de um caminhão na sala de um apartamento.

Hoje, abandonado

O plano era abrir o novo parque em 2017, mas nada aconteceu até hoje.

Atualmente, o projeto parece estar abandonado e o outrora temido navio militar russo segue enferrujando a céu aberto, entulhado de tralhas empoeiradas do antigo parque (caixas com símbolos soviéticos, carcaças de aviões, bombas, mísseis e torpedos – desativados, claro), e trancado dentro de uma lagoa, já circundada por estradas, de onde não tem mais como sair.

Caso o parque não seja reativado, o que, julgar pelo estado de abandono do porta-aviões parece pouco provável, o futuro do lendário porta-aviões russo é sombrio e parece caminhar, definitivamente, para o desmanche.

Mas nem isso será fácil, porque não há mais como tirá-lo da lagoa-cela onde foi enfiado.

O Minsk chinês virou uma encrenca do tamanho de um porta-aviões.

Desmanche é a pior opção

Mesmo assim, só o fato de já ter escapado duas vezes de virar sucata, e ainda estar flutuando, ainda que dentro de uma espécie de tanque, não deixa de ser uma vitória para o icônico porta-aviões russo, que, agora, todos torcem para que vire um museu – um final bem mais digno para um navio histórico do que o simples desmanche.

Se é verdade que barcos possuem alma, como dizem muitos marinheiros, o desmanche seria o equivalente a um assassinato.

Já o naufrágio seria bem mais aceitável, porque, de certa forma, faz com que o barco continue existindo, só que em outro ambiente.

O navio brasileiro que afundou para não morrer

No passado, já aconteceram diversos casos de embarcações que pareceram se recusar a virar simples pedaços picotados de aço.

Uma delas foi o também poderoso encouraçado brasileiro São Paulo, da Marinha do Brasil, que, 70 anos atrás, desapareceu completamente no meio do Atlântico, quando era levado para um desmanche na Inglaterra – clique aqui para conhecer esse caso, que embora tenha causado a morte de oito pessoas, ficou impune.

Espera-se que o fim do porta-aviões Minsk seja menos traumático.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.