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Histórias do Mar

Como este pedaço de metal pode desvendar mistério de 84 anos atrás

Jorge de Souza

03/04/2021 04h00

 

Reprodução: Tighar.org

No mês passado, o interminável mistério que cerca o desaparecimento da lendária aviadora americana Amelia Earhart, que sumiu juntamente com seu companheiro de voo, o navegador Fred Noonan, em algum ponto do Oceano Pacífico, durante a primeira tentativa de uma mulher de dar a volta ao mundo voando, 84 anos atrás, teve mais um capítulo.

Após seguidas tentativas, o incansável pesquisador Richard Gillespie, fundador da instituição privada Tighar (iniciais, em inglês, de "Grupo Internacional para Descoberta de Aviões Históricos" – mas que, na verdade, foi criada apenas para tentar elucidar o desaparecimento de Amelia Earhart), conseguiu convencer os técnicos da Universidade Estadual da Pensilvânia a usar o reator nuclear da entidade para examinar, com critérios científicos, a principal evidência que ele possui sobre o enigmático sumiço da aviadora: um pedaço de alumínio encontrado 20 anos atrás no esquecido atol de Nikumaroro, no Pacífico, a mais de 500 quilômetros do ponto onde sempre se supôs que Amélia teria desaparecido, junto com o seu navegador.

Teria sido em outro lugar?

A tese de Gillespie é que aquele pedaço de metal pertencia ao avião de Amelia, um Lockheed Electra 10E, e, se isso for verdade, seria prova de que ela desapareceu – e morreu bem longe da ilha Howland, onde deveria ter feito uma escala para reabastecimento, durante a travessia do Pacífico, o que nunca aconteceu.

Segundo Gillespie, isso também comprovaria a sua tese de que as ossadas de um corpo de mulher que foram encontradas naquela deserta ilha de Nikumaroro, mais de 50 anos atrás (e que, depois, se perderam no tempo, em um laboratório das Ilhas Fiji), eram de Amelia.

Resposta pode estar no metal

A intenção de Gillespie é que a universidade use o seu reator nuclear para examinar a fundo aquela chapa quase quadrada de alumínio, de pouco mais de 50 centímetros, identificando, através da sua composição química, se o tipo de liga metálica já existia na época do desaparecimento da aviadora, em julho de 1937.

Segundo Gillespie, se o tipo de alumínio da peça for anterior ao usado pela aviação na Segunda Guerra Mundial é quase certo que seja do avião de Amelia Earhart, porque, naquela época, pouquíssimos aviões voavam naquela área remota do Pacífico.

Ainda de acordo com a teoria do pesquisador, a placa que agora começará a ser examinada pelo reator da universidade (mas cujo resultado não sairá antes do final do ano) foi usada para tapar uma janela que havia no avião de Amelia, mas que ela mandou retirar, pouco antes da partida para a sua fatídica tentativa de dar a volta ao mundo voando.

De acordo com o site da Tighar, a tal placa encontrada na ilha "bate com as dimensões da janela, só existia no avião de Amelia e era como uma espécie de impressão digital do seu Electra".

Como o reator pode ajudar

O reator usará feixes de nêutrons para criar uma espécie de Raio X da placa e revelar tanto a composição química do material quanto eventuais identificações não visíveis a olho nu.

Como algumas deformações que existem na placa e que poderiam ter sido feitas por um machado, ferramenta que os aviões da época levavam para o caso de emergências como, por exemplo, um pouso no mar por falta de combustível, o que, se supõe, foi o que aconteceu com Amelia e seu navegador, embora não se saiba onde.

Neste caso, o reator também poderia encontrar vestígios da lâmina da ferramenta, o que não só comprovaria a autenticidade da peça como ligaria inquestionavelmente o desaparecimento da aviadora com o atol de Nikumaroro e não com a Ilha Howland.

Mas, em entrevista ao site Live Science, o professor de engenharia nuclear da universidade que fará o teste, Kenan Ünlü, disse que "só será possível garantir dados da placa, não que ela tenha efetivamente vindo do avião de Amelia Earhart".

O dia do desaparecimento

Amelia Earhart e seu navegador Fred Noonan desapareceram em 2 de julho de 1937, quando se aproximavam da Ilha Howland, no Pacífico, onde deveriam fazer uma escala para reabastecimento do avião.

Perto dali, estava o navio da Marinha Americana Itasca, que controlaria o pouso, pelo rádio.

Uma série de contatos entre o avião e o navio foram feitos e, neles, a dupla reportava que estava ficando com pouco combustível e com dificuldades em achar a ilha.

Até que a comunicação foi abruptamente interrompida e nunca mais Amelia e Fred foram vistos.

Até o pesquisador do Titanic

Desde então, diversas expedições já tentarem decifrar o enigma do misterioso desaparecimento da aviadora.

Mas nenhuma avançou tanto quanto as da Tighar, de Richard Gillespie.

Dois anos atrás, até o famoso pesquisador americano Robert Ballard, o homem que achou o Titanic no Atlântico, resolveu montar uma expedição de alta tecnologia para tentar encontrar os restos do avião de Amelia Earhart no fundo do mar do mesmo atol Nikumaroro, investigado por Gillespie.

Ballard passou quase dois meses vasculhando a região e não achou nada, o que só fez aumentar ainda mais as interrogações que cercam o enigmático sumiço da lendária aviadora (clique aqui para conhecer detalhes desta história).

Agora, com a ajuda de um reator nuclear, Gillespie espera conseguir ao menos provar que aquele pedaço de metal pertencia ao avião de Amelia Earhart, e assim evitar que o mistério do desaparecimento da aviadora acabe se tornando eterno.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.