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Histórias do Mar

12 dias depois, desaparecimento de inglesa de barco no Caribe é um mistério

Jorge de Souza

20/03/2021 04h00

Reprodução Facebook

Há 12 dias um mistério intriga os moradores de St. John, uma das Ilhas Virgens Americanas, no Caribe: o que aconteceu com a inglesa Sarm Joan Lillian Heslop, uma ex-comissária aérea, de 41 anos, que aparentemente desapareceu do barco onde viva com o namorado, o americano Ryan Bane?

A última notícia que se teve dela foi no final da manhã do dia 8 de março, quando o seu namorado ligou para a Guarda Costeira das Ilhas Virgens e para o serviço de emergências dos Estados Unidos, dizendo que, naquela madrugada, ele havia acordado e constatado que Sarm havia "desaparecido do barco" no qual moravam, então ancorado a menos de 100 metros da praia de Frank Bay, um ponto bastante frequentado pelos barcos particulares naquela parte do Caribe.

Isso teria ocorrido às 02h30 da madrugada, embora, estranhamente, Bane só tenha relatado o fato as autoridades às 11h46, quase dez horas depois.

Por que tamanha demora para comunicar o desaparecimento da companheira à polícia é a principal – mas não única – pergunta ainda sem resposta neste estranho caso.

E a Polícia local pouco tem feito para esclarecer os fatos.

"Acho que ela caiu no mar"

De acordo com o que Ryan Bane, de 44 anos e que vive de alugar o seu barco para turistas, disse à polícia pelo telefone, o casal havia ido dormir por volta das 22h00, "após sair para jantar em terra firme" (não se sabe se na mesma ilha onde o barco estava ancorado ou na vizinha ilha de St. Thomas, que fica a cerca de 12 quilômetros de distância), e, no meio da madrugada, ao acordar com o disparo do alarme da âncora (o que acontece quando o barco começa a se mover no mar), deu por falta de Sarm.

"Acho que ela caiu no mar", disse o namorado às autoridades, aparentemente sem maiores detalhes.

Teria fugido?

Segundo ele, todos os pertences da namorada, inclusive o celular e o passaporte, continuavam no barco, bem como o bote de apoio, que serve para embarcar e desembarcar em terra firme, o que, ao menos a princípio, descartava a hipótese de ela ter fugido enquanto ele dormia – embora isso pudesse ter sido feito isso à nado, já que estavam ancorados bem próximos à praia.

Mas por que ela teria fugido se, também segundo o namorado, não tinham tido nenhuma briga ou discussão?

"A Sarm sempre foi uma ótima nadadora", disse uma amiga da inglesa desaparecida ao canal Fox. "Mas não imagino por que ela fugiria, muito menos a nado".

Barco não foi vistoriado?

Após o tardio comunicado do namorado, a polícia local, com ajuda de mergulhadores, donos de outros barcos e até de um helicóptero, iniciou as buscas no mar da região, famoso pela transparência de suas águas, sem, porém, nada encontrar.

Mas, inexplicavelmente, até hoje, uma dúzia de dias depois, o barco de onde a inglesa teria desaparecido naquela madrugada, aparentemente ainda não foi vistoriado, porque Bane não teria permitido isso, nem a polícia o obrigado a permitir.

"Eventualmente, o barco será vistoriado", limitou-se a dizer o porta voz da polícia local, ignorando o fato de que isso deveria ter sido a primeira coisa a ser feita, após a divulgação do suposto desaparecimento – o que, no entanto, é contestado por uma amiga de Bane, Flora Pickard, que garante que a polícia, sim, já esteve no barco.

Fuga sem motivo?

Ao jornal inglês The Telegraph, a polícia local também se recusou a dizer se Bane está ou não colaborando nas investigações que, segundo o porta-voz, continuam, "tanto em St. John quanto nas ilhas vizinhas", já que não foi descartada a hipótese de a inglesa ter simplesmente fugido para outra ilha, ainda que, aparentemente, sem nenhum motivo.

Na semana passada, quatro dias após o anúncio do seu sumiço, Sarm Heslop teria sido vista por um morador da vizinha ilha de St. Tomas, onde cartazes com sua foto também foram espalhados por voluntários, mas isso não foi provado.

Reprodução Facebook

Também da mesma maneira, o depoimento de um morador de Frank Bay, que passeava com seu cachorro na praia naquela madrugada e disse ao The Telegraph ter ouvido "um grito" no mar, não ficou comprovado de que pudesse ter sido da inglesa desaparecida, já que há sempre muitos barcos ancorados naquela praia, que ainda fica ao lado de um movimentado atracadouro de ferry boats, o que poderia, inclusive, ter favorecido a eventual fuga de Sarm para outra ilha.

Mas por que ela faria isso? E sem sequer levar seus pertences.

"Meu cliente está devastado com o desaparecimento da namorada", disse ao canal de televisão Fox o advogado de Bane, que não aparece em público desde então e ainda não deu nenhuma declaração, o que aumenta ainda mais as suspeitas, sobretudo por ter demorado tanto a comunicar o fato às autoridades.

Por que demorou tanto?

Uma das hipóteses para a demora de Bane é que ele teria gasto todo aquele tempo, entre a constatação de que a namorada não estava mais no barco e o aviso à polícia, vasculhando ele próprio a região.

Outra é a de que talvez precisasse, primeiro, se recuperar emocionalmente e fisicamente, já que o casal poderia ter bebido ou ingerido coisas na noite anterior (Frank Bay é particularmente famosa na região pela liberalidade dos seus frequentadores), o que, inclusive, poderia explicar uma eventual queda involuntária de Sarm ao mar e a falta de condições dela para retornar sozinha ao barco.

Por outro lado, se o namorado dela tivesse algo a esconder, por que teria ele mesmo chamado a polícia?

A história seria outra?

Outra hipótese é que, ao contrário do que Bane disse à Polícia, a suposta queda da namorada ao mar possa ter acontecido não no local onde o barco estava ancorado, um ponto de águas rasas e com os outros barcos bem próximos, o que favoreceria um resgate, mas sim durante a travessia noturna que eles possam ter feito na volta de St. Thomas para a ilha, já à noite, uma vez que ainda não está claro nem onde eles haviam jantado.

Neste caso, mesmo sendo uma travessia curta, de não mais de meia hora, o trecho entre as duas ilhas costuma ser agitado, por conta das correntezas, o que também explicaria por que o corpo de Sarm não foi encontrado nas buscas feitas no mar, nem, talvez, jamais o seja.

Reprodução Facebook

Mas, se foi um acidente, por que o namorado demorou tanto a dar o alarme?

Perguntas ainda sem respostas

Enquanto isso, amigos e familiares da inglesa, que agora pedem a intervenção da polícia inglesa no caso, vivem dias de aflição e muitas interrogações.

Por que a polícia local ainda não vistoriou o barco?

Por que uma boa nadadora teria se afogado perto da praia?

Por que ela fugiria sem sequer levar nem seus documentos?

E por que, afinal, o namorado demorou tanto para a dar o alarme do desaparecimento de Sarm?

Página na Internet

Desde o ocorrido, a página na Internet onde Ryan Bane anunciava o aluguel do seu barco, um bonito catamarã de quase 15 metros de comprimento, chamado Siren Song ("Canto da Sereia", em português, no qual morava com a namorada desde o final do ano passado – embora, no site, ele ainda aparecesse ao lado de outra tripulante, chamada Katie), anuncia que o veleiro não está mais disponível.

Também na Internet, os amigos de Sarm criaram uma página do Facebook dedicada ao caso, onde pedem a ajuda de todas as pessoas para localizá-la, acreditando ainda que ela possa estar viva, o que, no entanto, a cada dia fica mais difícil de crer.

Um caso bem mais trágico

O desaparecimento de pessoas no mar é algo sempre intrigante, porque a ausência de testemunhas permite todo tipo de especulação – e, às vezes, quando é possível comprovar o que de fato aconteceu, vítimas passam a ser réus.

Um dos casos mais tristemente famosos do gênero aconteceu apenas quatro anos atrás, na insuspeita Dinamarca, quando a jornalista sueca Kim Wall desapareceu após embarcar para fazer uma reportagem a bordo de um submarino particular, que havia sido construído por um inventor local, chamado Peter Madsen. E nunca mais foi vista com vida.

Interrogado pela Polícia, o inventor, a princípio, negou que tivesse a ver com o desaparecimento da jornalista.

Mas, em seguida, caiu em uma série de contradições, foi preso, julgado e condenado a prisão perpétua, por um crime mais que bárbaro – clique aqui para ler esta dramática história.

As diferenças entre os dois casos são enormes, claro – a começar pelo fato de que, por enquanto, o namorado de Sarm Heslop não pode ser acusado de nada.

Mas, na Dinamarca, a Polícia agiu direito e rápido.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.