Italiano que cruzou oceano com um carro flutuante quer ajuda de brasileiros
Quase 20 anos atrás, em maio de 2000, quatro jovens italianos embarcaram numa aventura pra lá de ousada: atravessar o Oceano Atlântico, das Ilhas Canárias ao Caribe, com dois automóveis adaptados para flutuar e navegar – feito carros transformados em barcos.
Dias depois, dois dos quatro aventureiros desistiram daquela insana jornada, mas os outros dois – Marco Amoretti, então com 24 anos, e seu amigo Marcolino De Candia, de 21 – não.
Eles seguiram em frente, cada um em um carro-barco (mas unidos por um cabo, para não se desagarrarem na imensidão do mar) e, contrariando todas as expectativas, quatro meses depois, chegaram do outro lado do oceano a mais de 5 000 quilômetros de distância – um feito tão impressionante quanto ignorado até hoje.
O mundo ignorou o feito
É justamente para tentar mudar o quadro de completo desconhecimento daquela doida travessia, que Marco, hoje com 44 anos, quer transformar aquela bem-sucedida aventura em um filme ou documentário. E para isso está pedindo ajuda ao mundo inteiro (inclusive aos brasileiros).
"Não estou pedindo dinheiro, embora isso também ajudasse muito", diz Marco. "O que eu busco são produtores, roteiristas e demais profissionais da área de cinema e vídeo, que ajudem a transformar a travessia do Atlântico com dois automóveis num filme ou documentário, para que o mundo tome conhecimento do que fizemos, quase 20 anos atrás. Preciso de colaboradores voluntários, e, quem sabe, algum brasileiro queira ajudar?".
Como foi a travessia?
Naquela ocasião, os dois "carros-barcos" dos italianos, um Ford Taurus 1981 e uma perua Volkswagen Passat 1987 (ambos comprados como sucata num ferro-velho), foram transformados em veículos flutuantes pelo pai de Marco. Giorgio Amoretti, um aventureiro nato, autor de façanhas ainda mais extraordinárias na terra, no ar e na água, também iria junto na viagem.
Entre outras estripulias, o pai de Marco havia cruzado o deserto Saara voando com um paraglider puxado por um automóvel, dado a volta ao mundo pilotando uma simples Lambreta e forçado o governo da província onde morava, na Itália, a criar uma lei que obrigava o estado a plantar uma árvore para cada criança que nascesse, depois de se recusar a registrar o nascimento de um de seus filhos, até que as autoridades atendessem o seu pedido. Giorgio era ainda mais irreverente que seus jovens filhos.
Foi ele que bolou a travessia do Atlântico com os dois automóveis, depois de adaptá-los caseiramente para que flutuassem. Primeiro, Giorgio preencheu o interior dos dois carros com blocos de poliuretano, para que não afundassem. Depois, adaptou um bote de borracha na capota de cada automóvel, cobriu-os com uma barraca de camping e transformou aquele insólito espaço numa espécie de cabine, onde eles ficariam, durante toda a travessia.
Apenas a "cozinha" (não mais que um fogareiro, no qual esquentariam a comida desidratada que levariam na viagem, reforçada por um ou outro peixe que eventualmente pescassem) e a dispensa ficavam dentro do automóvel, que era acessado através de um buraco na capota e no fundo do bote.
Na água, os dois carros boiavam parcialmente submersos e mais pareciam vítimas de uma enchente. Mas não afundavam.
E, embora fossem automóveis, não se locomoviam a motor e sim a vela, já que não haveria como transportar tanto combustível para a travessia de um oceano inteiro – nem tampouco eles saberiam como transformar um motor terrestre em marítimo.
Um conjunto de velas caseiras presas a uma espécie de andaime, fixado na capota dos veículos, davam aos dois automóveis a aparência de balsas de náufragos, mas impulsionavam os dois carros, sempre que os ventos aumentavam.
No entanto, o principal meio de locomoção daqueles dois esquisitos veículos e seus intrépidos ocupantes foram as correntes marítimas, que atravessam incessantemente das Ilhas Canárias ao Caribe – as mesmas que, no início deste ano, também permitiram ao aventureiro francês Jean Jacques Savin, de 72 anos, cruzar o Atlântico dentro de uma espécie de barril totalmente à deriva no oceano.
Carros à deriva no oceano
Os italianos também se beneficiaram das correntes marítimas, até porque seus curiosos veículos não tinham volante nem leme – iam apenas para onde o mar os levasse.
No caminho, sempre que cruzavam com algum navio, mandavam mensagens, pelo rádio, pedindo informação sobre a sua localização – como quem para o carro na beira da estrada para perguntar o caminho.
Quando isso acontecia, explicavam que estavam a bordo de dois automóveis, deixando os marinheiros intrigados – e como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
Apesar de ter sido o mentor daquela bizarra aventura, o pai de Marco Amoretti acabou não participando dela. Na última hora, a descoberta de um câncer em estágio já avançado, tirou Giorgio da viagem. Mas seus três filhos (Marco, Fábio e Mauro), mais o amigo Marcolino, foram em frente, como uma homenagem a ele.
Fábio e Mauro não aguentaram e desistiram da travessia logo após a partida, vítimas de terríveis enjoos, já que os automóveis balançavam o tempo todo.
Mas Marco e Marcolino seguiram adiante, até o outro lado do Atlântico, onde chegaram 119 dias depois de terem partido das Ilhas Canárias.
"Fazer aquela viagem que parecia impossível era o sonho do meu pai e, realizá-la, o seu último desejo. Pena que ele não ficou sabendo que nós conseguimos completá-la, porque morreu durante a nossa viagem. Mas só fiquei sabendo disso quando cheguei no Caribe e liguei para casa. Agora, quero homenageá-lo, transformando a travessia em filme", diz Marco, que ficou sabendo da morte do pai no mesmo dia em que realizou o velho sonho dele.
"Foi um misto de tristeza e alegria", recorda. "Eu mostrei para o mundo que o sonho do meu pai não era impossível ou uma mera maluquice. Pena que poucos ficaram sabendo disso. Daí a necessidade de fazer o filme", explica.
Carro com motor de popa
Para tentar angariar fundos e, ao mesmo tempo, chamar a atenção de profissionais do mundo do vídeo que se disponham a ajudar no documentário sem cobrar por isso, Marco criou o Projeto Autonauti, uma mistura de "automóvel e náutica" e passou a fazer expedições menores, também com carros flutuantes. Para contatá-lo, autonauti@libero.it.
Na mais recente aventura, Marco contornou toda a Itália com um Maserati, também comprado num ferro-velho, mas adaptado para receber um motor de popa, como as lanchas de verdade.
Agora, com o mesmo carro, readaptado para receber uma vela no lugar do inusitado motor marítimo, ele sonha em voltar a cruzar o Atlântico, sozinho, da Europa até Miami.
Isso, caso a Guarda Costeira italiana o deixe partir, face as limitações do veículo. "Afundar ele não afunda", garante Marco Amoretti.
Por que navegar com um automóvel?
"Carros sempre foram o mais emblemático símbolo de status e de liberdade. Mas, atualmente, eles transformaram seus donos em reféns do trânsito nas grandes cidades. Hoje, um automóvel só consegue recuperar a capacidade de trazer liberdade aos seus usuários quando usado no mar", filosofa Marco. Que, em seguida, completa: "E, também, porque fazer a travessia de um oceano com um barco não teria nenhuma graça".
Fotos: Autonauti.it/Divulgação
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