Diretor de Titanic e milionário disputam por recorde de profundidade no mar
No início do mês passado, ao descer até o fundo de um ponto específico do Oceano Ártico com um mini submarino especial que ele mesmo mandou construir, o aventureiro e milionário americano Victor Vescovo, de 53 anos, tornou-se o primeiro homem a visitar os cinco locais mais profundos de todos os oceanos. Inclui-se aí o maior de todos: a Fossa das Marianas, no Pacífico, que passa dos 10 mil metros de profundidade.
Mas o que deixou Vescovo realmente entusiasmado foi ter, segundo ele, quebrado o recorde mundial de profundidade, ao atingir 10 924 metros debaixo d'água, justamente naquele local, em maio deste ano.
A marca do novo recordista, no entanto, acaba de ser contestada pelo recordista anterior, o famoso diretor de cinema canadense James Cameron (de "Titanic"), que sete anos atrás também mergulhou no mesmo ponto com um mini submarino e tocou o fundo a 10 908 metros – ou seja, 16 metros a menos que a marca que Vescovo diz ter atingido no mesmo local.
Com isso, começou a polêmica entre os dois candidatos ao título de aventureiro mais profundo do mundo.
"O Vescovo não pode ter atingido um ponto que não existe", alfinetou Cameron durante uma entrevista na Nova Zelândia, na semana passada. "Eu estive lá e posso garantir que o ponto mais profundo dos oceanos é plano feito uma mesa de bilhar, sem nenhum buraco ou depressão que permitisse a ele descer mais do que eu desci", disse o cineasta e explorador, pondo lenha na fogueira das vaidades que agora arde entre os dois aventureiros.
"Naveguei mais de dois quilômetros rente ao fundo da Fossa das Marianas e a profundidade não variou mais que um metro, para cima ou para baixo. Essa diferença de 16 metros só pode ser erro de medição dele", acrescentou Cameron, que também foi o primeiro homem a descer com um mini submarino tripulado até os escombros do Titanic, navio que ele ajudou a eternizar no cinema. "O que o Vescovo disse que fez e o que testemunhei não combinam".
É possível, no entanto, que nenhum dos dois tenha, de fato, descoberto quanto mede o ponto mais profundo dos oceanos, porque, no mar, esse tipo de medição costuma mesmo apresentar variações.
"Uma medição como essa depende da metodologia utilizada, porque há fatores como a densidade, salinidade e até a temperatura da água, que interferem na precisão numérica", explica o geofísico Mark Zumberge, do Instituto de Oceanografia Scripps. "Medir a profundidade exata no mar não é tão simples como saber as distâncias em terra firme".
Por que é tão difícil saber?
A rigor, há dois meios para medir a profundidade exata no mar: através da pressão que a água exerce sobre os objetos submersos ou por meio de sonares, aparelhos que medem o tempo que uma onda sonora leva para descer e retornar à superfície.
"Não existe GPS submarino", diz Cameron, tentando explicar a diferença entre a sua medição, em 2012, e o novo recorde que Vescovo diz ter atingido, quatro meses atrás. "Os sonares apresentam margens de erro, porque os pulsos sonoros viajam em velocidades diferentes dependendo da temperatura da água, e ainda podem penetrar na lama ou areia do fundo, gerando medições igualmente equivocadas. Acho que o Vescovo confiou demais no sonar do seu submarino", cutucou o canadense na entrevista.
Mas Vescovo contra-atacou em seguida, dizendo que sua medição, tal qual a de Cameron, foi feita por meio da pressão submarina, método que também para os cientistas é o mais confiável.
Além disso, o americano garante que sua equipe produziu previamente mapas super precisos da região, "o que Cameron não fez", e que eles mostraram que a área mais profunda da fossa "se assemelhava ao fundo de um pote", portanto o canadense pode não ter descido até o ponto realmente mais fundo, "no centro desta concavidade".
Pela teoria de Vescovo, os dois teriam mergulhado no mesmo local, "mas não exatamente no mesmo ponto", o que explicaria a diferença de míseros metros nas duas medições – quase nada se comparado a distância de quase 11 quilômetros entre o fundo do mar e a superfície naquela região, mas o bastante para dar ao americano o recorde absoluto de profundidade.
Outra teoria é que o fundo do mar no local tenha sido alterado pelas correntes marítimas entre a época do mergulho de Cameron, em 2012, e o de Vescovo, em 2019, embora isso seja pouco provável.
"Vescovo fez as melhores medições que pôde, mas daí a chegar à superfície e afirmar que quebrou o recorde é outra história", disse Cameron, frisando, no entanto, que mais importante do que quebrar recordes é "mostrar que o ser humano já possui capacidade de construir máquinas que permitem visitar qualquer ponto do fundo dos oceanos, a fim de entendê-los melhor e facilitar as pesquisas subaquáticas".
"80% do fundo dos mares do planeta ainda não foram mapeados, sequer visitados. Conhecemos muito mais sobre o solo lunar do que o fundo do mar do nosso planeta", finalizou Cameron, que foi o terceiro homem da História a descer até o ponto mais profundo da Terra conhecido até hoje.
Quem foram os primeiros?
Os dois primeiros a descer até o ponto mais profundo dos oceanos foram o americano Don Walsh e o francês Jacques Picard, que, em 1960, chegaram ao fundo da Fossa das Marianas a bordo de um batiscafo (uma espécie de avô dos atuais mini submarinos) inventado pelo pai de Picard e batizado Trieste – nome que foi alterado para Challenger Deep pelos americanos, como conta a interessante história da conquista do ponto mais profundo dos oceanos, que aconteceu apenas 59 anos atrás).
Mesmo assim, apesar de toda a tecnologia, até hoje a ciência ainda não foi capaz de criar um método cem por cento preciso de resolver a complexa questão da medição exata da profundidade dos mares – sobretudo em locais desafiadores como a Fossa das Marianas.
E é dessa dúvida que Cameron e Vescovo estão se valendo para fomentar a polêmica sobre qual dos dois, afinal, foi mais fundo na aventura de chegar ao ponto mais profundo do planeta.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.