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Histórias do Mar

Buscar e recolher lixo plástico no mar: a nova missão da família Schurmann

Jorge de Souza

30/07/2019 17h36

Após três voltas ao mundo navegando e mais de 35 anos de mar, os Schurmann, mais famosa família de navegantes do Brasil, se preparam para o maior dos desafios que já enfrentaram: ajudar a livrar os oceanos da absurda quantidade de lixo plástico que vem sendo lançada ao mar pelo homem, desde que este material foi inventado.

Batizado de Voz dos Oceanos, o novo projeto terá início no que vem e levará os Schurmann (pai Vilfredo, mãe Heloisa, filhos David e Wihlen e, agora, também a nora Érica e o neto Emmanuel) a dar uma quarta volta ao redor do mundo, desta vez em busca de… lixo. Isso mesmo. Mais precisamente, resíduos e artefatos feitos de plástico que, cada vez mais, estão sendo descartados ou indo parar acidentalmente no mar – um problema já tão gigantesco quanto os próprios oceanos.

"O problema é realmente sério e, se todos os seres humanos do planeta não começarem a agir já, talvez a previsão dos cientistas de que daqui a 30 anos haverá mais plástico do que peixes no mar se concretize", diz Vilfredo, comandante do veleiro da família, o Kat, de quase 25 metros de comprimento, que, uma vez mais, será usado na longa viagem.

"Vamos passar um ano e meio navegando pelo planeta para avaliar, na prática, como está a questão do lixo plástico nos oceanos. E os dados que coletarmos servirão para ajudar os pesquisadores. Mas sabemos que teremos muito trabalho, porque os resíduos plásticos já se espalharam por todos os mares", explica Vilfredo.

"Hoje, esteja onde estiver, você verá objetos feito de plástico boiando no mar".

Lixo no mar brasileiro

Para dar um exemplo prático disso – e, ao mesmo tempo, conscientizar alguns jovens formadores de opinião na internet sobre a gravidade do problema -, os Schurmann fizeram, na semana passada, uma pequena amostra da viagem que começará em abril do ano que vem.

A família convidou os atores Hugo Bonemer, Priscila Sol e Dani Moreno, o youtuber Maicon Santini e o apresentador Felipe Solari para navegar com eles do Rio de Janeiro à Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, fazendo escalas em praias da Ilha Grande e de Ubatuba, onde foram coletados e avaliados resíduos de material plástico que chegam pelo mar.

Batizado de Projeto Conexão Schurmann #MaresLimpos, o resultado, como a família já esperava, foi assustador: foram encontrados lixos plásticos no mar durante toda a viagem, que durou cinco dias.

"Só na praia da Parnaióca, do lado da fora da Ilha Grande, onde quase nenhum turista vai, nós enchemos três galões com lixo plástico em apenas 15 minutos, e vasculhando não mais do que 20 metros de areia na beira d'água. Tinha de tudo: pedaços de cano de PVC, cabos de náilon, garrafas pet, lâmpadas de LED e muitas, muitas sacolinhas. Foi uma tristeza, mas serviu para ilustrar bem o problema para os jovens comunicadores que estavam com a gente no barco. E eles ficaram chocados", contou Vilfredo, ao desembarcar em Ilhabela.

"Eu sabia que a questão do lixo no mar era delicada, mas não imaginava que já estivesse neste nível de gravidade", contou Priscila Sol.

"Encontramos muito mais lixo do que eu esperava. Agora vou passar isso adiante, especialmente para as crianças, que são a única esperança para mudar este quadro no futuro", disse a atriz, que atou na recente novela Carinha de Anjo, do SBT, e possui mais de 350 mil seguidores, ao desembarcar.

"Se não mudarmos a mentalidade das pessoas e usar a opinião pública para pressionar governos e fabricantes de embalagens, não haverá remédio", avalia Vilfredo, que explica que a grande maioria do lixo que se está no mar não foi colocado propositalmente lá.

"80% do lixo que está no mar veio dos rios, que nele deságuam. Portanto, quem jogar uma garrafa pet num rio no interior de Minas Gerais tem grande chance de fazê-la ir parar no meio do Atlântico. Mesmo o lixo jogado na rua pode ir parar no mar, levado pelas galerias de águas das cidades. Todo mundo deveria pensar nisso, antes de descartar qualquer coisa", diz Vilfredo Schurmann.

Esta foi a segunda expedição que a família Schurmann fez com o mesmo objetivo: chamar a atenção pública para a questão do lixo, sobretudo os resíduos plásticos, no mar. A primeira foi meses atrás, na ilha de Fernando de Noronha, um paraíso natural que já sofre com o problema do lixo que chega pelo mar. Quase sempre, de muito longe.

"Alguns países da Ásia ainda lançam o lixo diretamente nos rios ou o descartam no mar. E muito desse lixo vem parar na costa do Brasil, através das correntes marítimas. Mas isso, felizmente, está mudando através da educação das pessoas. Na China, até pouco tempo atrás, ainda havia o costume de cuspir nas ruas. Hoje, ninguém mais faz isso. Ou seja, é possível mudar até os piores hábitos culturais", analisa Vilfredo, que não acha que sair catando lixo nas praias seja um trabalho inútil, face a monumental quantidade de resíduos que já polui os mares de todo o planeta.

"Se cada pessoa recolher uma latinha de cerveja ou garrafinha de plástico na areia da praia e dar a ela o destino correto, já dará um resultado incrível", diz Vilfredo.

"Mas se ninguém começar a fazer isso, aí sim estaremos perdidos".

Na expedição da semana passada, os Schurmann usaram uma espécie de rede fina de arrasto no barco, que eles mesmo desenvolveram, para recolher resíduos no mar, especialmente micro resíduos de plástico, gerados pela deterioração do material após anos de imersão e que nem sempre são visíveis na água.

"O micro plástico é o maior de todos os problemas, porque, por ser pequeno, acaba engolido pelos peixes e seres marinhos. Os mesmos que nós, depois, consumimos como alimento", acrescenta Heloisa Schurmann.

"O ideal seria que todas as cidades do mundo tivessem coletas seletivas de lixo, para separar o que pode ser reciclado, além de compactadores, para diminuir os volumes de resíduos, como temos no nosso barco", diz Wihelm Schurmann, que mora no veleiro da família, junto com a mulher Érica, e possui até uma pequena horta a bordo, onde cultiva temperos, ervas e tomates.

"Somos um barco ecosustentável", diz, orgulhoso. "Mas, infelizmente, ainda somos exceção à regra".

"O Brasil recicla apenas 6% do lixo que produz, e isso já dá uma boa ideia da dimensão do problema que teremos no futuro, se não começarmos a fazer algo agora. A economia circular, onde tudo o que é descartado vira produto de novo, é a única saída para a questão do lixo. No mar, o rastro e alcance do plástico já é assustador. Com o nosso projeto, queremos deixar um legado: o de mostrar e alertar para o problema", conclui Vilfredo.

Enquanto isso, neste exato momento, o nadador francês naturalizado americano Ben Lecomte está fazendo algo ainda mais extraordinário no oceano Pacífico: está atravessando, a nado, a área com a maior concentração de lixo no mar do planeta, uma espécie de corrente marítima circular que existe entre o Havaí e a Califórnia.

Escoltado por um barco de apoio, no qual dorme, se alimenta e descansa, Lecomte já nadou metade da distância de 300 milhas náuticas (cerca de 550km) que se propôs a atravessar, "porque representa os 300 milhões de toneladas de plástico que o mundo produz por ano", e vem encontrando coisas bizarras no meio do oceano, como escovas de dente e inúmeras redes de pesca abandonadas, chamadas de "redes fantasmas". Mesmo desativadas, elas seguem capturando e matando peixes e seres marinhos.

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.