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Histórias do Mar

Por que estão aparecendo tantas baleias no litoral de São Paulo?

Jorge de Souza

24/07/2019 17h39

"No ano passado, em dois meses e meio de monitoramento, eu avistei e cataloguei 42 baleias jubartes na região de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. Este ano, em apenas um mês e meio, já registrei mais que o dobro disso: 91 baleias. Um crescimento de quase 120% e praticamente na metade do tempo!".

Quem diz isso – e comemora o fato – é um especialista em avistagens de baleias: o ex-executivo paulista Julio Cardoso, criador do Projeto Baleia à Vista, que se dedica a registrar, com dados, informações e sobretudo imagens, as baleias que visitam as águas do litoral norte de São Paulo.

"Nunca vi tantas baleias por aqui. É, sem dúvida, um recorde", festeja Julio, que monitora bem de perto o surgimento de baleias no litoral norte de São Paulo há 15 anos.

"De 2004 a 2010, eu praticamente não vi baleias da espécie jubarte, uma das maiores do mundo, por aqui. Depois, entre 2011 e 2015, vi apenas quatro. Mas, em 2016, já contei 30. E, no ano passado, 42. Agora, já passei de 90 e a temporada ainda não acabou. É uma ótima notícia", diz Julio, que passou a se interessar por baleias em 2002, quando um encontro inesperado mudou radicalmente a sua relação com o mar e com este animal em particular.

"Eu estava pescando nas imediações de Ilhabela, quando duas baleias surgiram bem ao lado do meu barco, botaram as cabeças fora d'água e ficaram me olhando fixamente. Era uma coisa intensa, de olho no olho, como se elas me quisessem me dizer que sabiam o que eu estava fazendo".

Aquilo me marcou tanto que nunca mais pesquei", recorda Julio.

Em seguida, ele trocou as varas de pesca pelas lentes fotográficas e tornou-se o mais ativo fotógrafo e observador de baleias do litoral paulista.

Hoje, já aposentado, ele se dedica em tempo integral a esta atividade, que se tornou bem mais que um simples passatempo – virou um projeto quase científico.

Profissão: seguidor de baleias

Todos os dias durante a temporada de baleias jubartes, Julio parte com seu barco de Ilhabela em busca de borrifos, ou jatos verticais de água, no horizonte do mar. Eles indicam a presença de baleias na superfície e são seguidos por Julio com extremo cuidado e rigor científico.

No Brasil esta temporada acontece entre os meses de junho e setembro, quando as baleias migram da Antártica para o litoral brasileiro em busca de águas mais quentes e de um local mais tranquilo para procriar.

"Os borrifos, ou jatos de ar quente que elas exalam e que se condensam ao entrar em contato com o ar mais frio do meio ambiente, são os melhores indicativos de que há baleias no mar, embora as corcovas e as caudas fora d'água também sejam visíveis, às vezes", ensina o especialista.

"Quem estiver no litoral (sobretudo na região de São Sebastião, onde as jubartes costumam se aproximar bastante da costa) e quiser ver baleias deve olhar fixamente para o horizonte, em busca desses esguichos. Às vezes, nem é preciso estar num barco, porque dá para ver de qualquer mirante à beira-mar", garante.

A paixão que Julio desenvolveu pelas baleias e pelo prazer de monitorá-las o levou a criar um pequeno manual para quem quiser vê-las bem de perto no mar. Nele, entre outras coisas, ele ensina como se aproximar de uma baleia sem molestá-la nem colocar a própria vida em risco.

"A aproximação do barco tem que ser bem lenta e em paralelo ao animal, jamais de encontro a ele", ensina. "Baleias são seres dóceis, mas com uma força descomunal. Uma simples batida acidental dela no casco pode virar um acidente fatal para quem estiver no barco", garante.

Segundo Julio, neste instante, há mais de uma centena de baleias no mar do litoral norte de São Paulo.

(foto: Marcio Motta/Arquivo pessoal)

"Elas estão descansando da longa jornada desde a Antártica, antes de seguir viagem para o arquipélago de Abrolhos, no litoral sul da Bahia, onde se concentram. Mas algumas também estão tendo filhotes aqui mesmo, como prova uma imagem aérea que fizemos neste sábado, com uma fêmea nadando ao lado de um pequeno filhote. Ele era tão pequeno que não devia ter mais que dois ou três dias de vida. Ou seja, nasceu aqui mesmo, o que também eu nunca tinha visto", diz Julio.

No dia 20 de julho, além de jubartes, Julio também documentou a presença de seis orcas, erroneamente chamadas de "baleias assassinas" (primeiro porque não são baleias, e sim parentes dos golfinhos; e, segundo, porque são apenas predadores mais eficientes que a maioria dos demais seres marinhos) na mesma região, nas proximidades de Ilhabela.

As orcas também costumam aparecer por aqui nesta época do ano, mas seis juntas também não é tão comum assim", diz.

Neste ano, o serviço de monitoramento do Projeto Baleia à Vista também está contando com a ajuda de uma equipe de especialistas em terra firme.

"Eles ficam numa das pontas de Ilhabela, observando o horizonte e registrando as aparições. Já viram mais de 300, mas muitas dessas baleias são as mesmas que eu encontro no mar, então não podemos usar estes dados, porque seria uma duplicidade. Mas os meus registros são feitos sempre com o mesmo padrão e frequência, além de registrar peculiaridades que permitem diferenciar um animal do outro, como marcas na pele e nas nadadeiras", diz Julio, que banca todo o projeto com dinheiro do próprio bolso.

Não ganho nada com isso. Só gasto. Mas faço com muito prazer".

De acordo com o especialista, o aumento brutal na quantidade de baleias que este ano estão visitando o litoral de São Paulo tem diretamente a ver com o crescimento (ou, melhor dizendo, recuperação) da população destes mamíferos no mundo inteiro.

"Desde que a caça foi proibida, em 1986, a população de baleias no planeta vem crescendo num ritmo de 10% ao ano, apesar dos japoneses", diz Julio, numa referência ao fato de que o Japão segue caçando baleias, mas, agora, apenas em suas águas, porque antes eles as caçavam até na Antártica, alegando "pesquisas científicas".

"Dez por cento de crescimento da população ao ano é bastante, mas ainda estamos longe de atingir a mesma marca do passado, quando, estima-se, havia cerca de 100 mil baleias jubartes nos oceanos. Quando a caça foi proibida, restavam menos de 2 mil. Mas só isso não explica o que está acontecendo no litoral paulista, onde a quantidade de baleias mais que duplicou nesta temporada. É uma maravilhosa surpresa", resume o especialista.

"As baleias também estão indo bem mais longe na costa brasileira do que antes, o que indica busca de novos territórios, já que a população vem aumentando. E isso também comprova que há bem mais baleias nas nossas águas".

"Está facílimo ver baleias no litoral norte de São Paulo. Às vezes, dá para vê-las até da balsa que atravessa de São Sebastião para Ilhabela. E deverá ficar assim até o mês que vem", indica o especialista.

 

Fotos e vídeos: Julio Cardoso/Projeto Baleia à Vista

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.