A aflitiva expectativa de um casal de idosos por justiça para o único filho
Esta sexta-feira será um dia de intensa aflição e expectativa para o casal de aposentados gaúchos Fátima e Télio Guerra, de 67 e 69 anos, respectivamente. É que terminou ontem o prazo para que o seu único filho, o também gaúcho Daniel Guerra, de 37 anos, seja solto após ficar 17 meses preso, em Cabo Verde.
Além de Daniel, dois outros brasileiros — os baianos Rodrigo Dantas e Daniel Dantas — são acusados de tráfico internacional de drogas, crime que ninguém acredita que eles tenham cometido. A liberada é esperada até que um novo julgamento aconteça, já que o primeiro teve a sentença anulada pela própria Justiça de Cabo Verde, por uma série de irregularidades cometidas pelo juiz que julgou os brasileiros. A começar pelo fato de não permitir que as testemunhas deles fossem ouvidas.
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"O Daniel já cumpriu o limite máximo de prisão preventiva, já que a Justiça de Cabo Verde achou que havia risco de ele fugir do país, embora até eu e minha mulher já estivéssemos vivendo lá, e, se não for solto hoje, a partir de amanhã sua detenção se tornará ilegal", diz o humilde caminhoneiro Télio, que, junto com a mulher, a ex-professora Fátima, vive um pesadelo desde que tudo começou, quase um ano e meio atrás.
Naquela época, os três jovens brasileiros foram contratados por uma empresa holandesa para trabalhar como marinheiros em um veleiro que viajaria do Brasil para a Europa e, sem saber, como comprovam todas as evidências, embarcaram em um barco recheado com mais de uma tonelada de cocaína escondida num compartimento secreto no fundo do casco.
Quando o barco precisou parar para reparos em Cabo Verde, a droga foi descoberta pela polícia local e os três brasileiros, bem como o comandante do veleiro, o francês Oliver Thomaz, foram presos – todos, no entanto, sempre alegaram total desconhecimento da existência da droga no barco, que estava dentro de um compartimento lacrado no fundo do casco. Desde então, o dono do veleiro, o inglês George Saul, mais conhecido pelo apelido "Fox" ("Raposa", em inglês) está foragido e, até hoje, não foi sequer indiciado pela Justiça de Cabo Verde, o mesmo acontecendo com a empresa que contratou os brasileiros.
"O que estão fazendo com os três brasileiros lá em Cabo Verde é uma brutal injustiça. Eles são inocentes e até os carcereiros da cadeia concordam com isso"
"Eles preferiram prender as vítimas de uma armadilha do que ir atrás dos verdadeiros culpados. É uma enorme injustiça o que estão fazendo com os brasileiros", desabafa o desconsolado caminhoneiro, que desde que o filho foi preso largou tudo no Brasil, venceu um terreno que tinha para pagar a viagem, e se mudou, com a esposa, para Cabo Verde, para tentar acompanhar o caso de perto.
Mas os dois tiveram que voltar, porque a mãe de Daniel, com a saúde debilitada pela angustiante espera, começou a passar mal, até que teve que ser internada, com um caso raro de apendicite. Ela passou 18 dias internada num precário hospital em Cabo Verde, chegou a ter delírios causados pela febre alta, e os próprios médicos sugeriram que fosse trazida de volta ao Brasil, por temer sua morte e serem responsabilizados por isso.
"Não sei como ela sobreviveu à longa viagem", conta o marido. "Até então, nós tínhamos um problema, que era a prisão do nosso filho, e passamos a ter dois, porque minha esposa realmente corria risco de vida. Até o Daniel me pediu que trouxesse ela de volta com urgência".
"Tudo o que nós queremos é que haja um novo julgamento e que, desta vez, ele seja realmente justo"
O casal voltou ao Brasil no início de dezembro e, desde então, não tem feito outra coisa a não ser visitar quase que diariamente o mesmo médico que evitou que o próprio filho deles morresse vítima de um câncer igualmente raro, quando tinha 17 anos de idade – só que, agora, a vítima é a mãe, que ainda corre sérios riscos.
"Formou-se uma espécie de bolsa ao redor do apêndice e isso impede a cirurgia. E, com o apêndice desse jeito, ela não pode mais voltar para Cabo Verde. Então, estamos aqui, aflitos por notícias do Daniel", diz Télio, amargurado por não estar lá e também porque o filho, desde que foi preso, teve que parar de fazer os exames rotineiros de controle do câncer que precisa fazer.
"O Daniel não reclama de nada, nem da cadeia, é querido até pelos guardas, vive pedindo pra gente não chorar, acredita que está passando por uma provação e que vai sair disso muito mais fortalecido", conta Télio, que, como aposentado, recebe apenas dois salários mínimos e vive numa pequena chácara nos arredores de Passo Fundo, no interior do Rio Grande do Sul. "Mas, da última vez que nós o visitamos na prisão, em novembro, ele me perguntou: ' Pai, será que Deus esqueceu de mim?"'.
"Tenho muito orgulho do meu filho e sei que ele vai sair desse pesadelo com sua dignidade resgatada. Mas quem irá devolver o tempo que ele vem passando preso injustamente?"
A mesma angústia tem acometido os familiares dos outros dois brasileiros, que por terem sido presos depois de Daniel, ainda não tiveram o prazo de detenção preventiva estourado. Mas a decisão para um pode trazer esperança aos demais. "Legalmente, o Ministério Público de Cabo Verde tinha até ontem para se manifestar, mas não o fez", lamenta Télio, que, junto com a mulher enferma, está contando as horas para ter notícias do filho.
"Estamos contando as horas para que o nosso filho possa, ao menos, aguardar o novo julgamento em liberdade. E que, então, justiça seja realmente feita"
No entanto, o que deixa o casal ainda mais indignado é que desde que este complicado caso começou (clique aqui para conhecê-lo por inteiro), um relatório da Polícia Federal brasileira, que havia vistoriado o barco antes da partida dele do Brasil e nada encontrado, foi enviado a Justiça de Cabo Verde e solenemente ignorado. E o que ele concluía era decisivo no caso: segundo a polícia brasileira, os três brasileiros são inocentes. Para saber por quê, clique aqui.
Fotos: Arquivo pessoal
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