Topo

Histórias do Mar

Volta ao mundo com barco menor que um Fusca: o recorde dele já dura 30 anos

Jorge de Souza

26/09/2018 04h00

Em junho de 1984, o francês naturalizado australiano, mas que passou boa parte da infância no Brasil, Serge Testa, partiu da Austrália com um objetivo pra lá de audacioso: dar a volta ao mundo navegando sozinho um barco menor que um Fusca.

E conseguiu, após passar três anos espremido dentro de um barquinho a vela, que ele mesmo construiu, de apenas 3,6 metros de comprimento – meio metro a menos que o famoso carro da Volkswagen.

Batizado de Acrohc Australis (algo como "Coisa" Australiana, já que era tão pequeno nem parecia um barco de verdade), o valente veleirinho de Testa se resumia a um espaço pouca coisa maior do que o corpo do próprio navegador, o que exigia que ele ficasse o tempo todo sentado, com as pernas dentro da cabine e o restante do corpo para fora, ou deitado dentro dela, porque sequer havia espaço para ele ficar em pé lá fora. Muito menos dar um passo. Mesmo assim, Testa passou 500 dias navegando pelo mundo com o seu minúsculo barquinho, e outro tanto disso visitando ilhas e países por onde passou.

Ao retornar à Austrália, em 1987, ele entrou para o Livro dos Recordes como autor da navegação em torno do planeta com o menor barco da História – marca que, até hoje, mais de 30 anos depois, ninguém bateu. "Eu até queria que alguém tentasse batesse o recorde, porque isso manteria viva a disputa", diz Testa. "Mas acho que um barco menor do que 12 pés de comprimento, como era o meu, é inviável para um ser humano e por isso ninguém mais tentou", avalia.

E por que um barco tão pequeno? "Porque eu não tinha dinheiro para fazer um maior e porque, embora acanhado, ele tinha tudo o que eu precisava", conta Testa, que passou a viagem inteira consumindo apenas dois litros de água por dia e tomando banho e cozinhando só com água do mar. Além disso, ele queria bater o recorde, que então pertencia a um barco com mais de cinco metros, e entrar para o Guinness Book, o que conseguiu com folga.

Mas, fácil, não foi. Durante a longa jornada, Testa so­bre­vi­veu a um ci­clo­ne, uma quase trombada com uma ba­leia (bem maior do que o seu barco, por sinal) e um prin­cí­pio de in­cên­dio, de­pois que o fogareiro onde cozinhava ex­plo­diu, obri­gan­do-o a atirar-se no mar para apagar o fogo no cabelo e na barba. "Eu só sentia falta de uma cervejinha gelada", recorda Testa, que fala português fluentemente porque viveu com a família em Goiânia dos sete aos 14 anos e, depois, retornou ao Brasil meia dúzia de vezes. A última delas, na semana passada, quando reencontrou amigos em São Paulo.

Hoje, aos 68 anos, Testa ainda navega, mas agora, como ele mesmo diz, "só barcos normais". Já o barquinho que ele usou naquela travessia foi parar no Museu de Queensland, na Austrália, onde, no passado, ganhou uma exposição de destaque, com a comemoração dos 30 anos daquela ousada viagem, que até hoje é um curioso recorde e que pode ser conferida em detalhes clicando aqui.

 

Fotos: Acrohc.com

Sobre o autor

Jorge de Souza é jornalista há quase 40 anos. Ex-editor da revista “Náutica” e criador, entre outras, das revistas “Caminhos da Terra”, “Viagem e Turismo” e “Viaje Mais”. Autor dos livros “O Mundo É Um Barato” e “100 Lugares que Você Precisa Visitar Antes de Dizer que Conhece o Brasil”. Criou o site www.historiasdomar.com, que publica novas histórias náuticas verídicas todos os dias, fruto de intensas pesquisas -- que deram origem a seu terceiro livro, também chamado "Histórias do Mar - 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos", lançado em abril de 2019.

Sobre o blog

Façanhas, aventuras, dramas e odisseias nos rios, lagos, mares e oceanos do planeta, em todos os tempos.